7 de novembro de 2003

A SEÇÃO DE CULTURA

Tem jornalista que se diz “especializado na área cultural”, o que é uma extrema barbaridade, pois quem lida com cultura precisa de bagagem na política, na economia e na História. Com cacife, portanto, para encarar qualquer pepino nas páginas consideradas, sem motivo, “mais nobres” da comunicação. Vamos analisar o que se passa com o centenário de Ary Barroso, por exemplo, que se comemora hoje.

DESCONSTRUÇÃO - O que o Brasil tem de melhor foi criado na época de Getúlio Vargas, mas essa declaração é uma espécie de crime de lesa-majestade. Quantos presidentes fajutos precisamos ainda aturar para nos dar conta que a desconstrução do getulismo coincide com as sucessivas hordas de políticos que enriquecem à custa do dinheiro público, especialmente do patrimônio criado e implantado nos 25 anos em que Getúlio esteve no poder? Ary Barroso faz parte dessa riqueza. Sua música Aquarela do Brasil, hino nacional alternativo, só pode ser entendida como expressão de políticas públicas focadas no povo e num país que se fazia respeitar no mundo todo (em 1945, quando derrubaram Getúlio, nossa dívida externa estava paga). Hoje é moda elogiar personalidades da época getulista como se fossem expressões isentas do seu contexto histórico. Gustavo Capanema, o grande ministro da Educação e Cultura? Era ótimo, mas “nada tinha a ver” com o presidente com o qual trabalhou durante muitos anos. Pelé? Um ET surgido no nada, jamais ligado ao que se fez em saúde e educação por décadas e que permitiu que o grande craque surgisse em meio a uma multidão de virtuoses da bola (basta ver hoje os pernas de pau que nos servem em horário esportivo na televisão para entender o que estou falando). Ary Barroso? Um gênio que pertence à eternidade e não à época getulista. O que o Francisco Weffort chamou de populismo (para galgar cargos públicos e depois virar ministro de FHC) foi apenas a justificativa política do esquema traçado pelo ogro do regime autoritário civil militar, Golbery do Couto e Silva, que ao fazer a distensão ditatorial e prever a anistia achava fundamental destruir o trabalhismo (por isso a legenda histórica PTB voou das mãos de Brizola) e inflar Lula, pois os ditadores sabem quem são seus verdadeiros inimigos. A continuidade da política econômica escorchante via Lula é a evidência de que Golbery sabia o que estava fazendo. Tudo isso está sendo dito aqui para quê? Para provar que a seção de cultura não pode ser uma “área” isolada. Não é um espaço de amenidades e frescuras e nem deve se prestar ao papel de porta-voz da indústria do espetáculo comandada pelos Estados Unidos. Exaltar os homens-aranhas em milhares de páginas dos cadernos culturais e bater no cinema nacional é um exercício de colonização a que os jornalistas se dedicam com fé e orgulho. Talvez porque não saibam a quem estão servindo. Ou sabem e gostam.

OLGA - Agora teremos novo surto anti-getulista com o filme Olga, baseado num livro sério de Fernando Morais, mas que pode engrossar o coro de equívocos sobre o grande estadista. É preciso argumentar com cuidado, para não gerar mal entendidos. Nos anos 30, todos os países do mundo tinham relações normais com a Alemanha nazista e a Itália fascista. O filho de Mussolini foi recebido com honras de chefe de estado em Nova York. O primeiro ministro inglês Chamberlain foi para a Alemanha negociar com Hitler. Os campos de concentração só foram conhecidos no final da guerra, em 1945. Nos anos 30, portanto, quando Olga foi deportada para a Alemanha – porque era alemã e o governo alemão mantinha relações normais com o Brasil – o escândalo dos campos de concentração não era conhecido. Olga era uma revolucionária, tinha tentado tomar o poder à força, via luta armada. Queria derrubar o governo atirando. Para isso veio ao Brasil junto com Luis Carlos Prestes. Não estou justificando nada, apenas colocando fatos, a realidade da época. Sem isso não se pode entender porque Olga foi deportada. Nas eleições de 1945, depois que Prestes saiu da prisão e foi fazer campanha política para se eleger Senador, ele dividiu o palanque com Getúlio, porque entendeu ser Getúlio a única força capaz de combater o assanhamento pelo poder da direita. Esse gesto coerente de Prestes é tratado como um escândalo. Imaginem, apoiou o ditador que enviou sua mulher para a câmara de gás. Getúlio não enviou ninguém para a câmara de gás. Ele cumpriu um acordo internacional, o de deportar pessoas indesejadas para seus países de origem. Poderia simplesmente mandar matar Olga, que tinha participado de um golpe armado – a chamada Intentona. Matar foi o que fez o regime de Médici/Geisel, como revela Elio Gaspari no seu novo livro. Quando se fizer a resenha sobre o filme, é importante ter tudo isso em mente.

RETORNO – GAUCHADA NO EXÍLIO

1. O jornalista gaúcho Jorge Freitas, correspondente do Diário da Fonte no Rio de Janeiro, me envia comentários sobre a grande diáspora dos conterrâneos: “ O Rio Grande do Sul tem amor ao Brasil e aos outros estados.O gaúcho é sempre louco pelo Rio e pelo Nordeste, pelo sol e o mar. Encontramos gaúchos em todas as cidades em que chegamos. É incrível. Sempre adaptado. Alguns com bombacha e chimarrão, mas outros nem usam esses apetrechos e sempre afirmam suas origens sem competir neste item, se confraternizando com os brasileiros dos vários cantos do país. Inclusive isto vale para os paulistas contra os quais não registro nenhuma prevenção. No meu caso pessoal, trabalhei muitos anos da minha vida profissional de jornalista em veículos paulistas, sendo que por isso conheci uma infinidade de belas pessoas e profissionais, com as quais convivi com satisfação e alegria.” Jorge conta que encontrou no Rio a nossa maravilhosa artista Magliani: “Ela estava no seu atelier em Santa Teresa, trabalhando com outros artistas e senhora de si, como sempre foi e será. Uma maravilha.” Acrescento : a revolução de 30 colocou a gauchada no Rio, onde foram recebidos como heróis, depois de décadas de ditadura civil, a chamada República Velha.

2. Outro jornalista gaúcho, Virson Holderbaum, que mora em Florianópolis, me envia brilhante sacada sobre o uso do rádio no apagão: “Pelo que eu pude sentir e observar com relação ao apagão, as pessoas estavam surpreendidas pela perplexidade do caos iminente, do pavor de ficar sem água por quem sabe quantos dias ainda. Acho que o tremendo esforço dos técnicos e operários foi subestimado ou não foi passado corretamente pela mídia, leia-se rádio CBN, a única no ar quase todo o tempo das 55 horas do apagão. A mídia local rasgou elogios ao veículo. Faltou dizer: o rádio mostra seu valor quando se faz jornalismo com ele.” Virson, que foi meu colega na faculdade em Porto Alegre e me ajudou a debochar da falsa seriedade tanto da direita quanto dos pseudo-esquerdistas, me envia cumprimentos pelo aniversário, assim como Marcelo Min, um cara tão ocupado que está agendando almoço para daqui a duas semanas. Meu Deus, Min, imagina quando você for realmente famoso, teremos de agendar para daqui a dez anos!

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