30 de março de 2004

A ESQUERDA DA AMÉRICA


Como a esquerda tradicional agora participa do banquete do poder, sobrou para a imprensa americana e inglesa gerarem os principais críticos do império global. Aqui, reproduzo dois textos. Um trecho do prólogo de Michael Moore para a edição brasileira de Cara, cadê o meu país, que está sendo lançado neste fim de mês, e outro do capítulo brasileiro de A melhor democracia que o dinheiro pode comprar, de Greg Palast. A seleção dos trechos obedece ao link que os dois tem com o Brasil. Ambos os lançamentos são da W11 Editores.

GÂNGSTERS – “Eu venho aqui para lhes dizer que não estou sozinho, e que na verdade estou prensado no meio dessa nova maioria americana. Dezenas de milhões de cidadãos pensam como eu penso e vice-versa. Acontece que vocês não ouvem falar neles – muito menos pela imprensa. Mas eles estão aí – e sua ira apenas começa a emergir à superfície. O que eu faço é apenas continuar ajudando na tarefa de perfurar essa camada, de forma que a raiva emergente desses milhões possa jorrar poderosa, como um gêiser de ação democrática. É compreensível que o Brasil e o resto do mundo pirem com o comportamento dos Estados Unidos da América. Vocês têm razão para tal. A turma no poder aqui é pra lá de Deus me livre. Tudo que vocês têm a fazer é perguntar a si mesmos: “Se esses gangsters são capazes de roubar uma eleição, do que mais eles não seriam capazes de fazer?”. Eu só digo o seguinte: nada vai detê-los na destruição do que estiver no seu caminho, especialmente se eles estiverem no caminho de fazer mais uma graninha. E eles vão castigar vocês, sejam aliados ou não, se vocês não se ajoelharem e baixarem a cabeça à passagem deles, em marcha para a próxima troca da guarda do poder (preferivelmente, o poder de uma nação que possua uns bons e lucrativos lençóis de petróleo, obrigado).
Tudo isso vai acabar por levá-los – e a nós – à ruína, é claro. Eu acho que a maioria dos americanos, por uma estreita margem, se dá conta, em algum ponto de suas entranhas, dessa situação dramática. Eles estão apenas miseravelmente perdidos, em parte por uma forçosa ignorância que começa na escola, onde eles aprendem algo próximo a nada sobre o restante do mundo, e que continua ao longo de todas as suas vidas adultas, servidas por uma mídia que eliminou qualquer traço de notícias estrangeiras que não tenham algo a ver com os Estados Unidos.
Que nada saibamos respeito de vocês deve ser a coisa mais assustadora do mundo a nosso respeito. A maioria de nós não consegue localizar vocês no mapa – e, pior, também não conseguimos localizar nosso inimigo. De acordo com uma pesquisa recente, 85% dos americanos adultos com idades entre 18 e 25 anos não conseguem achar o Iraque em um mapa. Eu acho que o primeiro parágrafo do código de leis internacionais deveria ser o seguinte: se um povo não consegue encontrar o seu inimigo sobre o globo terrestre, ele não tem permissão para bombardeá-lo” (Michael Moore).

MERCADO – “Sabendo muito bem que a moeda seria destroçada logo depois da eleição de FHC, o Tesouro dos Estados Unidos garantiu que os bancos americanos conseguissem tirar seu dinheiro do país em condições favoráveis. Entre julho de 2002 e a posse em janeiro do ano seguinte, as reservas em dólar do Brasil caíram de 70 bilhões de dólares para 26 bilhões de dólares, um sinal de que os banqueiros pegaram seu dinheiro e fugiram. Mas a moeda permaneceu em alta antes da eleição porque os Estados Unidos deixaram clara sua intenção de substituir as reservas perdidas por um pacote de empréstimos do FMI. {...]
O objetivo desta história de privatização é esclarecer os detalhes sórdidos, raramente relatados, do que o Banco Mundial chama de “criar um ambiente amigo do mercado”. As condições dessa liquidação de ativos brasileiros são ditadas por um volumoso documento da consultoria americana Coopers & Lybrand (hoje chamada PriceWaterhouseCoopers). Enquanto o termo “mercado” é borrifado por todo o texto, o projeto é feudal e não capitalista. A Coopers divide a infra-estrutura vendável do país em monopólios legalmente aceitáveis, destinados a garantir superlucros aos novos donos, na maioria estrangeiros, sem empecilhos do controle do governo ou da concorrência. Ele tem como modelo o sistema medieval de “arrendamento fiscal”, em que, por um único pagamento, os reis permitiam que coletores de impostos limpassem os camponeses. Os termos da privatização beneficiaram outros clientes da Coopers, as mesmas companhias que faziam ofertas pelos ativos brasileiros.” (Greg Palast).

RETORNO - Quinta-feira, primeiro de abril, é dia. Todos lá, para "aquele abraço, o mais forte que você pode suportar", como diria Gilberto Gil no tempo em que não estava no poder. Fnac Pinheiros, a partir das 19 horas.

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