28 de março de 2004

A FORMAÇÃO DE CELSO FURTADO


Maria da Conceição Tavares citou, neste domingo, na Folha, o Tomo II da obra autobiográfica de Celso Furtado. O título é “A fantasia desfeita” sobre 64. Tenho em casa. Impressionante a introdução, em que fala da sua formação. Filho de juiz honesto, o genial brasileiro traça sua invejável trajetória intelectual, que parte da biblioteca da família e alcança o patamar que deveria guindá-lo ao nosso primeiro Nobel.

LIBERTAÇÃO - O texto citado acima foi escrito em 1972 em Paris, a pedido da Unesco. Celso Furtado conta como foi. Primeiro, a presença da violência na região onde nasceu, o Nordeste. Toda família estava obrigatoriamente engajada no sistema da violência, que tinha uma hierarquia política, do chefete próximo ao mandão acima dele, ao outro grandão com hegemonia no estado e finalmente ao bandidão maior, no centro da República. A incerteza e a brutalidade levavam o povo ao sobrenatural. Esse ambiente que não mudava nunca ajudou a formar no seu espírito a necessidade de libertar-se por meio de idéias-força, “que enquadram meu comportamento na ação e também minha atividade intelectual criadora”, segundo suas palavras. Outra vantagem que ele tirou das precariedades locais era a grande atividade intelectual entre estudantes, que não encontravam nos professores da província a necessária provocação. Esse auto-didatismo levou-o primeiro à paixão pela História antiga, onde se sobressai seu estudo aprofundado do latim, que “me afigurava a chave que me permitiria o acesso a uma cultura superior”. Depois de 64, quando sucatearam o ensino brasileiro, acabaram com o latim. Era considerado supérfluo para os planos entreguistas, que eliminaram o acesso dos estudantes às ferramentas principais do conhecimento. Mas voltemos ao obrigatório Celso Furtado. A partir daí ele fixou-se na literatura e chegou a publicar aos 25 anos um livro de contos. Para compreender suas influências (acontecidas no ginásio – ele é de 1915), Celso lembra “a grande efervescência intelectual que ocorre no período posterior à revolução de 30, a qual encerra a era de total predomínio da oligarquia cafeeira”. Trinta foi um movimento nacional de libertação, que envolveu todo o país. Lembro que uma vez entrevistei o grande folclorista Franklin Cascaes em Florianópolis e ele me sussurrou: “Em 30, todos os chefões, mandões, bandidos graúdos foram parar na cadeia”. Os inimigos gostam de dizer que 64 foi continuação de 30. Não foi. Foi o oposto: 30 liberta, 64 entrega. Claro que 30 desaguou mais tarde em ditadura, provocada por ambições e estratégias de Vargas e por erros dos seus adversários. Mas isso não quer dizer que as duas datas sejam gêmeas.

PLANEJAMENTO - Furtado começa sua formação mais pesada com o positivismo, onde se destaca a ligação do conhecimento com o progresso. Depois, chegou a vez de Marx, que o impressionou profundamente, pois provava ser possível transformar a sociedade estratificada e parada. Estudou atentamente O Capital e ao mesmo tempo tomou conhecimento , aos 17 anos, de Casa Grande & Senzala. Este livro não fez sua cabeça, mas colocou-o a par dos grandes avanços teóricos da época, revelando-lhe um instrumental novo de trabalho. Tudo isso na época do ginásio pós 30! Foi então para o Rio de Janeiro para a Universidade do Brasil. Entrou para a carreira pública e no terceiro ano da faculdade sua atenção desviou-se do Direito para a Administração. Nesse nicho, encantou-se com a teoria da organização. Celso Furtado, que reclama da ditadura Vargas, diz que as limitações confinaram o ambiente universitário ao extremo, o que teve um caráter libertatório. Os estudos da organização levaram-no então ao planejamento e daí para o estudo da sociologia: Weber, Tonnies, Han Freyer, Simmel. Com Keynes, compreendeu que toda decisão econômica envolve o exercício de uma forma de poder – inclui-se aí as empresas, com seus presidentes e diretores. Furtado entendeu muito cedo “o fenômeno da dependência econômica em sua natureza estrutural". Trabalhou no planejamento dos governos Kubistchek, Quadros e Goulart. O golpe de 64 expulsou-o do país. A Europa saiu ganhando. Não vou me estender mais. Leiam o Mestre. Nosso futuro primeiro Nobel, segundo Eduardo San Martin.

RETORNO - Os convites para o lançamento estão chegando! Daniel del Fiore, o grande produtor gráfico, criado nas máquinas da Gazeta de Pinheiros, que pertenceu ao seu pai, me telefona garantindo presença dia primeiro de abril na Fnac Pinheiros, a partir das 19 horas , quando lanço meu romance. Meu irmão Luís Carlos me liga de Florianópolis e me dá um abraço de irmão quase gêmeo. E meu irmão mais velho, Elo, que tem quatro páginas suas transcritas no romance - portanto, é co-autor - diz que estará lá. E Paulo Nogueira, nosso correspondente em Brasília, confirma também o recebimento do convite. Com ou sem convite, todos são meus convidados. Todos e todos os amigos de todos.

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