10 de abril de 2004

CAETANO E CAT BALLOU

Caetano aproveita a carona das críticas para sentir-se na contramão ao lançar um cd seu cantando músicas americanas, numa época anti-Bush. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Caetano canta a América majoritária, a feita pelo povo, que atualmente atravessa brutal repressão do terrorismo de Estado. No cinema, essa América de oposição nos deu obras-primas como Cat Ballou (1965), dirigido por Elliot Silverstein, com Jane Fonda e Lee Marvin, um filme onde os símbolos americanos rolam na lama, naqueles tempo de coragem entre os cineastas.

TV A CABO - De vez em quando, quando estamos distraídos ou dormindo, os programadores de televisão, sem querer, ou sadicamente (aproveitando o traço no ibope) colocam alguma coisa que preste no ar. Vi dezenas de vezes Cat Ballou (a maioria delas no cinema, quando esse filme passava na tela grande) e só agora, em pleno pesadelo de um império que assumiu totalmente sua face do Mal, me dou conta do que esse filme representa. Do que se trata? Os apaixonados pelo cinema nem precisam de lembrete. Basta dizer que a luta da herdeira de um pequeno pedaço de terra contra a bandidagem do dono da ferrovia é um folhetim tradicional, inclusive com dois narradores – Professor Sam The Shade (Nat 'King' Cole) e The Sunrise Kid (Stubby Kaye) - que cantam as aventuras da heroína e seus três companheiros, um índio aculturado, um pistoleiro bêbado, um galã vagabundo e um falso pastor. Os marginais lutam contra o poder, representado não apenas pelo dinheiro, mas pela carolagem explícita (a mesma usada por Bush e ridicularizada até o osso no novo livro de Michael Moore, Cara, cadê o meu país?), pelo xerife veterano e cínico, pelo pistoleiro de nariz de prata. Nessa América movida pelo ódio, o que conta é o dinheiro e as armas. Contra isso luta Cat Ballou, condenada à morte por vingar seu pai, desapropriado e morto. A salvação que encontra é um primor de ironias: a condenada veste-se de noiva para acabar casada dentro de um caixão de defunto, o que foi construído para enterrá-la; o pistoleiro bêbado derruba uma faixa de rua com as famosas listas da bandeira e as estrelas da nação, que rola na lama e impede a perseguição. Há seqüências maravilhosas, como a recuperação momentânea do bêbado (até descobrir que não era amado), em que é colocado em suas roupas de guerra como se fosse um cavaleiro medieval. A graça, o ritmo, a música, a história, a leveza, a denúncia fazem desse filme magnífico um clássico. Filmes como esse são a única forma de eu colocar o zap de lado.

FILMES OCULTOS - O Império sabe o que faz. Jamais vemos na TV o grande documentário sobre o Vietnã, Corações e mentes, talvez a maior denúncia contra a irracionalidade e a demência dos americanos em guerra. Nem nunca passa, mesmo agora, nesta época da Páscoa, o clássico de Pasolini, O Evangelho segundo São Mateus, que instaurou uma nova estética nos filmes religiosos e devolveu a paixão de Cristo ao seu verdadeiro ambiente, o Terceiro Mundo. A Interfnt nos lembra que esse filme foi vencedor de 11 prêmios, cinco deles no Festival de Veneza e com três indicações para o Oscar, além de ganhar o elogio da crítica mundial e o apoio do público. Passam dezenas de porcarias sobre a Paixão e nada desse filme obrigatório. Por quê? Porque esses filmes são perigosos. O cinema americano conseguiu padronizar tudo a favor da intervenção imperial. Aos poucos, há um cansaço geral dos roteiros programados de Hollywood e há uma fome gigantesca de filmes de outros países. É preciso que essa diversidade alcance mais a TV. Não basta o Eurochannel. Por que a TV aberta não assume essa luta? Filmes feitros fora dos Estados Unidos são infinitamente mais baratos de veicular. Acho que não se trata de opressão do Império. É preguiça mesmo, analfabetismo cultural daqui. Nada justifica que todo, e isso fica claro, todo o horário nobre da Bandeirantes, de segunda a sábado, indo até as altas horas e começando aí pelas oito da noite, é tomado pelo tal de Gilberto Barros, o chamado leão. O cara é um só? Para mim existem vários. Não cansa de nos cansar nunca. Como pode uma rede importante dedicar toda a sua principal programação para um cara fazendo palhaçadas grotescas o tempo todo? Ele canta, ele dança, ele se acha engraçado e não pára de falar. E o pior é o suspense que acha que cria quando anuncia seus manjados quadros. Brrrrrrr.

REDE ALTERNATIVA - Caetano aparece mais falando do que cantando. Precisamos tê-lo mais na telinha. Mais Milton, Chico (e não apenas nos eventos Senna), Gal. Nossos maiores artistas aparecem de vez em quando.E há um sofoco geral: não aparece gente nova, o que tem aos potes, fora do circuito da grande mídia. Nas TVs alternativas, sobra amadorismo e falta de talento, com raras exceções. Vi belos programas com violonistas, acordeonistas, percussionistas etc. de primeiro time. Mas é tudo muito precário. Por que não juntam todos os canais alternativos e fazem uma grande televisão, poderosa, com programação de vanguarda, juntando recursos para peitar as grandes? Daria a maior audiência.

RETORNO - Em recente artigo, o jornalista Antonio Gonçalves Filho escreve o seguinte: "A crítica do historiador Geza Vermes ao filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, é tão visceral que nem parece partir de um homem calmo e gentil de 80 anos, professor emérito da Universidade de Oxford. Vermes, autor de uma tetralogia sobre Jesus que levou 30 anos para ser concluída, é o tradutor inglês dos Manuscritos do Mar Morto e considerado um dos maiores especialistas em assuntos bíblicos do mundo. De Londres, ele atendeu a reportagem do Estado por telefone e confirmou sua aversão a quase todas as adaptações cinematográficas da vida de Jesus. O historiador, autor de The Authentic Gospel of Jesus (sua mais recente obra), livrou apenas a versão do cineasta marxista italiano Pier Paolo Pasolini, O Evangelho Segundo São Mateus. Realizado há exatamente 40 anos, o filme, recentemente lançado em DVD pela Versátil, apresenta um Messias revoltado e envolvido com os problemas políticos de seu tempo."

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