14 de maio de 2004

VISITA AO PLANETA TERRA

Traços de nuvens um pouco roxas, montanhas verdes, mar calmo apesar do frio, ar por onde entra a memória, de tão puro. Quando foi que perdemos a pista daquele território que o caos urbano engoliu?

PAISAGENS - Vejo daqui o mar. Onde estava eu este tempo todo, longe da última paisagem sem dono, o gigantesco mar que nos abraça, fonte da poesia que sempre nos escapa quando estamos longe? Vejo daqui o céu. Existem estrelas acima do Brasil, lua de dia, calma entre as pessoas, pássaros diferentes de pardais, vôos rasantes, cães tranqüilos. Você passa por um lugar, parece que nada acontece nele. Chega mais perto e vê: descortina-se um mundo impressionante. Todos estão lá, fazendo mil coisas e você, que passava ao largo, nem enxerga. O bom do Brasil é a largueza do seu terreno. O planeta é infinito, nós é que o tornamos limitado com nossa neura. O país é outro e ainda existe. Você pisa na areia limpa e esquece o que aprontam no outro lado do mar. Por que me envolver com tantas coisas que nada me dizem respeito? À tarde, o silêncio é tão profundo que chega a ser inverossímel. Você roça a alma no chão de um tempo que ainda está aqui, descansa até o osso, recupera-se da loucura. Lembro os quintais da minha infância. Eram inúmeros, todos reunidos num só. Num quintal de praia, aos nove anos, o rio Tramandaí oferecia botos com corcovas à mostra, em movimento. Num outro, caixotes de madeira eram carruagens. Um revólver de madeira estava escondido junto com uma pedra muito fina, de todas as cores. Ainda estará lá esse tesouro? Será que encontraram, taparam aquele lugar onde escondi meu coração de menino?

PALMAS - Alguém bate palmas no quintal. Fazíamos teatro, com cortina que eram colchas, todos fantasiados de palhaços, a derrubar bancos de madeira, a fazer caratonhas para a platéia familiar, que gargalhava. Dois cachorros perdigueiros e um policial. Tomávamos café às quatro e meia da tarde, junto com mil vizinhos. Algazarra. Alegria. Profundo amor por aquela vida que resgato agora, diante do infinito mar. Paisagem do litoral, onde o Brasil começa e de onde jamais devemos nos afastar demais. Aprendemos aqui os passos miúdos e profundos do amor. Para onde me levam esses passos, palavras que jogo na rede para pousar no coração de quem sabe do que se trata? É o Brasil, situado no planeta Terra. O único lugar do mundo onde pode haver felicidade. Longe da amargura que tomou conta de nós, ou de mim, que se esvai finalmente depois de tanta embate. Decido chegar perto da vitória que me carregou para longe, onde descobri o século, o futuro, a eternidade, palavras que nada valem diante de um pássaro equilibrado num fio. Parece piegas, e é. Mas nosso corpo agradece, caindo como uma pluma no travesseiro morno da imensidão do País. Quem somos nós a não ser criaturas de alma imortal, a roçar a superfície do universo como se estivéssemos brincando de esconder. Um, dois, três, te peguei. Pague a prenda: me diga um olá, acene do outro lado da rua, me convide para um passeio. Do céu pinga a maravilha de estar vivo.

RETORNO - Moacir Japiassu elogia, na sua coluna no Comunique-se, a perfeição das frases de Universo Baldio. Vindo de um mestre, é mais do que um elogio, é uma condecoração.

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