29 de junho de 2004

RAÍZES DA TRAGÉDIA DE 1932

Mestre Moacir Japiassu levanta uma lebre fundamental no seu comentário para este Diário. Diz ele que São Paulo não se recuperou ainda de 1932 e por isso, diz Japi, Brizola só não enfrentou Collor no segundo turno porque os paulistas negaram-lhe um punhado de votos, episódio mesquinho que tanto infelicitaria o Brasil. As raízes de 1932 estão fortemente vincadas na revolução de 1924. Inclusive há grande confusão, pois costuma-se trocar uma pela outra. Sinal de que há uma sintonia, mas, advertidos pela História, jamais uma continuidade. São dois episódios específicos. O que nos importa estudar são as ligações, os desdobramentos. Para quê? Para nada. Todo historiador que se ocupa com o Brasil é um arqueólogo, pois estuda um país extinto.

JUAREZ E AGILDO - São Paulo insurgiu-se contra Getúlio, o presidente dos trabalhadores, em 1932, e desencadeou uma guerra que durou três meses e teve 800 mortos, segundo dados oficiais. Por que a data escolhida foi nove de julho? Quem conta porquê é Agildo Barata, o tenente nordestino revolucionário que em 1930 forçou a mão para entrar no teco-teco que levaria Juarez Távora ao Rio, o que fez Távora deixar de fora seu vasto arquivo na Bahia, perdido então para sempre. A data era o 17 de julho, já que o cinco de julho ? que remetiria às revoltas de 1922 e 24, ambas desencadeadas nessa data ? tinha sido descartada, por não estarem os revoltosos preparados. Ou seja, havia interesse em fazer um vínculo com 24, inclusive quem foi convidado e a aceitou para liderar o movimento foi o mesmo general da reserva, chefe dos revoltosos de 24, Isidoro Dias Lopes. Havia grandes comícios e passeatas nas ruas e isso empolgou Julio de Mesquita, que resolveu, contra a opinião de Isidoro, desencadear imediatamente a revolução, o que aconteceu no dia nove, uma semana antes do combinado. Resultado: Agildo, que estava na sedição e tinha ido de trem para sua casa no Rio, para despistar o governo, foi preso de pijama na sua sala. Bertoldo Klinger, que havia prometido trazer tropas do Mato Grosso, ficou isolado e acabou voando para São Paulo num aviãozinho junto com alguns ajudantes-de-ordens, ou seja, de mãos abanando. Flores da Cunha, que tinha prometido apoio ao movimento, ficou também de calça curta e tirou a Brigada Militar gaúcha da reta. São Paulo, por sua arrogância e precipitação, ficou isolado. Sustentou a guerra, mas acabou perdendo.

SEM PERDÃO - O travo amargo da guerra deveria ter sido tirado logo depois, quando Getúlio aceitou cumprir a data marcada antes da revolução para as eleições da Constituinte, o que de fato ocorreu como previsto. E também por deixar de lado interventores tenentistas, como João Alberto, para aceitar no posto Armando Salles de Oliveira. Mas a Constituinte elegeu Getulio presidente e Armando foi defenestrado das suas pretensões à presidência com o golpe do Estado Novo, de 1937. Ficou portanto a ressaca. A derrota política transformou a derrota militar num épico de vitórias. Como se sabe, a História se faz depois (basta ver o que a Globo faz com fatos históricos). A Revolução Francesa, por exemplo, foi inventada por Michelet 40 anos depois de alguns eventos, como a ridícula tomada da Bastilha, no fundo uma invasão na cadeia que não tinha ninguém dentro, apenas o Marquês de Sade e suas taras. A Revolução Francesa desembocou numa ditadura militar, a de Napoleão, que se travestiu de Imperador e resultou, com sua derrota ( o que custou a vida de mais de uma geração de franceses) na restauração dos Bourbons. Guardadas as proporções, acontece o mesmo com 1932, tragédia brasileira sem vitoriosos, que se alimentou de ressentimentos, em ambos os lados, e que tem a sua trajetória recontada publicamente em eventos que distorcem tudo (isso não acontece com os historiadores, pois é rica a historiografia sobre a revolução). Fui criado na visão de que os paulistas eram inimigos. Quando fui morar em São Paulo, fui olhado com desconfiança. Para desanuviar, digo que me alistei no inimigo.

TENENTES - E 1924 com isso? Além do cinco de julho e de Isidoro, temos o seguinte: São Paulo queria se apropriar do carisma da revolução, que tinha caído nas mãos de Getulio. Queria provar que os verdadeiros ideais das guerras da década dos anos 20 estavam com São Paulo. Isso tinha sido desencadeado pela frustação do Partido Demnocrátrico de São Paulo, que apoiou Getulio em 1930 e não levou nada, ficou na mão. Agora nós! bradou Paulo Duarte, no livro sobre 1924. Chegou a vez de São Paulo ser vitoriosa com uma revolução. O governo da República Velha tinha empurrado os paulistas para a revolução, pois em 24 bombardeou impiedosamente a cidade (alvos civis) e depois perseguiu líderes como o prefeito Paim e o presidente da Associação Comercial, Macedo Soares. Quando chegou 30, São Paulo queria fazer parte do movimento, mas não foi incluído. Levou um João Alberto, totalmente despreparado (além de pernambucano) para a tarefa de interventor do Estado. A saída foi vingar-se do governo federal, do Exército, dos gaúchos que também tinham impedido a posse de um paulista, Julio Prestes. Tudo entrou na cesta do revanchismo. Quando terminou a guerra, os paulistas fundaram a USP, pois precisavam formar uma elite para governar o país. Conseguiram 60 anos depois com a posse de FHC, uspiano de quatro costados. E com Lula, inflado pelas teses sociológicas da USP, que buscava uma liderança operária legítima. Tudo fica em volta de 1932.

FONTES - O livro chave para entender a revolução paulista é da professora Vavy Borges, da Unicamp. Para entender 1924, o da professora Martinez Correa. Para entender a gauchada, Joseph Love, com o clássico "O Regionalismo Gaúcho. Para entender o Brasil, Os donos do poder, de Raymundo Faoro, e Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda. Para escutar a trilha musical de toda a obra Sergio Buarque, nada melhor do que nosso querido sessentão, Chico Buarque de Holanda.

RETORNO: Reproduzo aqui o trecho do comentário de Mestre Japi: Em 89, jornalista em SP (que ainda não se recuperou da derrota em 32), anunciei aos amigos que votaria em Brizola. Devo este voto a ele, disse-lhes, a recordar 1961. E digo isso porque não se imagina Brizola derrotado por Collor num debate na TV. Ainda hoje, quando revejo as cenas na memória tão seletiva de velho sertanejo, imagino o herói de minha juventude a dizer aos telespectadores: ?Agora sabemos por que o caçador de marajás não participou de nenhum debate até agora; é porque nada diria à Nação, além de mentiras! É apenas um filhote da ditadura...?. Tudo teria sido diferente, não é? Mas o Brasil é assim mesmo: não está habituado à leitura política e, de resto, a nenhuma outra; e, quando consegue soletrar alguma coisa, não entende o que está escrito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário