30 de agosto de 2004

O QUE A MARATONA NOS ENSINA

Nosso maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima não era para estar lá, naquela posição, liderando a mais importante e emblemática prova das Olimpíadas de Atenas, encerradas ontem. O jornalismo brasileiro não o tinha escolhido, portanto não merecia contrariar a pauta. O terrorista que impediu sua vitória (usando vestidinho plissé magenta) apenas completou o serviço da exclusão e o colocou à força no terceiro lugar. Porque o jornalismo brasileiro aspira a ser História, a obsoleta História do momento histórico, pretendendo transformar em eternidade o que é gritantemente provisório. História é outro departamento e surge numa curva, nas pernas de um atleta anônimo.

ESTUDO - A verdade é que os jornalistas brasileiros precisam estudar e aprender, especialmente com Eric Hobsbwan, as principais vertentes dessa ciência em mutação, no livro Da História. Como jornalista, em sua maioria, não estuda, e nem sequer lê livro que conta, fica falando abobrinhas sobre a cultura grega e dando show de incompetência no seu próprio ofício. Porque o jornalismo só pode fazer História quando fizer realmente jornalismo, e não quando pretender ser testemunha ocular da História. A História não se revela a olho nu, não é algo que caia na rede as redes de televisão. É preciso aprender, antes de tudo, metodologia. A que mais me toca é a de Sérgio Buarque de Hollanda, que não contente em nos presentear com seu filho Chico ainda tem uma obra que precisa ser lida inteira. O que faz o grande historiador? Encarna o documento e compõe a História nas águas da linguagem que estuda e consulta. É um trabalho de cão (para mais de uma vida, dizia ele), que fez de Visões do Paraíso a mais importante obra da erudição nacional. Fazer História não é berrar patriotadas diante dos jogos. Façam reportagem: onde estava nosso maratonista antes de ser atacado pela falha gritante da segurança, tão incensada pelo telejornalismo brasileiro? Porque foi isso o que aconteceu: gastaram bilhões em esquemas pirotécnicos de segurança e deixaram escapar o imponderável, o louco, que estava vestido exatamente igual ao dia em que interrompeu a Fórmula Um. Nada viram e deixaram que impedisse nosso querido maratonista de fechar as Olimpíadas com o Hino Nacional do Brasil soberano. Ao deixarem de lado Vanderlei (era só vôlei,vôlei,vôlei), o jornalismo brasileiro comeu a maior mosca da História. Parabéns, Giba, pela sua filhinha. Mas no jornalismo esportivo uma boa matéria sobre esporte é mais adequada do que as lágrimas do papai.

PERDÃO - Vamos visitar essa figura maravilhosa que é Vanderlei. O que fez ele? Sentiu pânico, sentiu medo de morrer. Depois, desconcentrado, exausto, sai abrindo os braços pedindo providências, reclamando da injustiça. Entrou no estádio como um verdadeiro herói, o maior atleta destas Olimpíadas. E a tudo perdoou porque essa é natureza do Brasil soberano, o país que tem consolidada sua soberania e por isso (viu, vice-presidente da República?) está deitado eternamente em berço esplêndido, graças a Deus. Vanderlei ficou feliz com o bronze, com a medalha especial e passou por cima do ouro que lhe negaram. Esse bronze e essa medalha especial suplantaram todos os ouros das grandes potências esportivas. É um gesto de grandeza, de perdão, de quem está por cima, de quem nasceu no berço de um grande país, hoje descosturado, mas tendo intacta ainda sua vocação para a maioridade. Vamos aprender com a maratona e seu herói: surpreenda quem o colocou numa gavetinha qualquer, supere-se, e se o imprevisto arrastá-lo para fora do seu destino, perdoe, porque perdoar é livrar-se do Mal e criar uma nova chance. Fiquei emocionado com a história dos taxistas gregos, que carregaram os brasileiros de graça e pediram desculpas pelo que aconteceu. O Brasil nasceu para mudar o mundo. Ensinou a humanidade a voar, agora ensina todos a vencer. Maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima: honra e glória aos heróis da Pátria.

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