29 de setembro de 2004

AS PROFISSÕES EXTINTAS

O jornalismo acabou no Brasil em 1979 (pelo menos como profissão razoavelmente bem remunerada, com certa independência e acessível a um grande número de pessoas), quando houve gigantesca greve de jornalistas em São Paulo (lugar com o maior número de profissionais e os veículos mais sólidos e bem sucedidos) sem o apoio do poderoso sindicato dos gráficos. Os patrões então descobriram que poderiam fazer jornais sem jornalistas. Tenho medo que nossa greve seja noticiada amanhã, disse Emir Macedo, veterano da redação da Folha, profecia que se concretizou e foi incluída na seção Frases no dia seguinte. Inúmeras outras profissões já se extinguiram. Duas correm grave risco: a de cobrador de ônibus e a dos bancários.

PRAIA - Greve é instrumento poderoso que perdeu a força ao longo dos séculos. Tornou-se o álibi perfeito para o sucateamento de profissões. Não se trata aqui de acusar o grevismo, mas a metodologia irremovível dos movimentos, sempre a mesma: uma cúpula decide pela maioria (que entra por convencimento ou pressão), aproveitando a demanda da categoria; faz-se os piquetes para evitar o furagrevismo e constrói-se carreiras políticas nas vitórias parciais ou na inflexibilidade das posições. No sistema produtivo, há sempre um estrago econômico. No caso da greve dos professores, o que há é prejuízo para todos, professores, alunos, escolas, governos, gerações, país. Não se encontra uma outra forma de negociação a não ser pela ruptura. A palavra greve para designar movimento operário surgiu no século 19 na França. Victor Hugo nos ensina que na praça da Grève (que significa praia) do Sena, reuniam-se normalmente os desempregados à cata do que fazer. Quando havia movimento, os operários iam até a praça para reivindicar (faire la grève, se dizia). E quanto à greve da Justiça, que já é lenta normalmente, e que agora as previsões apontam para três anos de demora do que já era demorado? Qualquer governo é provisório e está se lixando para o que poderá acontecer no futuro. O importante é arrochar os cofres, impedir que as lideranças se sobressaiam e não dar o braço a torcer por motivos pífios, pessoais ou políticos. A greve se suicida quando pára o trânsito, por exemplo, indo contra a multidão que fica prejudicada. Reclamei isso uma vez em relação ao que faziam na Avenida Paulista e em outros locais. Mas a Paulista só tem milionário, me disse um idiota. Respondi que pela avenida passava uma parte enorme da população, a pé, de ônibus ou de carro. Em vão. Contra a certeza não há argumento.

COLUNISMO - A Febraban agora prepara uma armadilha para os bancários em greve: intensificou o uso da internet e de rotas alternativas, como as lotéricas, para furar o bloqueio do paredismo. Isso torna o serviço bancário cada vez mais impessoal e perigoso, pois como menos gente no atendimento, que escasseia com a centralização dos processos, para quem você irá reclamar quando lhe tungam a conta? O que salta aos olhos é que haja greve no mais bem sucedido setor da economia brasileiro. Ouvi empresário dizer um dia que errou ao montar um negócio, deveria era inaugurar uma agência bancária. Contrato meia dúzia e faturo dez vezes mais sem produzir nada, dizia ele. Não está saindo dinheiro pelo ladrão? Cada vez entendo menos de economia e gosto menos dos especialistas, com suas idas e vindas conforme os interesses que defendem. O colunista de economia é o mais arrogante profissional do jornalismo, pois mexe com dados que dominam nossa vida e não costuma admitir erros, já que lida com números. Precisamos de um Nelson Rodrigues na economia, alguém que esculache esse mundo de fancaria e diga um pouco da verdade, que sempre fica muito clara quando a gente lida com bancos. Por que existe o chamado glamour no noticiário econômico e tanta barbárie na vitória dos juros e dos prazos inadiáveis?

COBRADORES - Aqui em Floripa tem ônibus direto, que dispensa cobradores, já que todos pagam em caixas à parte, fora do ônibus. Mas eles estão lá, firmes. Gosto da presença deles, pois me incomoda um monte de gente sem ninguém que olhe por elas. Esses dias alguém muito bêbado foi fazendo discurso, cantando e desenvolvendo baixarias a maior parte do tempo. O cobrador não fez nada. Pensei: o cobrador não cobra mais, está lá para acompanhar o motorista. Não se responsabiliza pelo que ocorre dentro do veículo. Dificilmente sabe o que está acontecendo no sistema de transporte, portanto nunca dá informações. Não seria a hora de reciclar um pouco a profissão? Ou seria o caso de retomar a essência da atividade? Perguntas que também servem ao jornalismo.

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