24 de setembro de 2004

O OLHAR ESTRANGEIRO E O JORNALISMO ENGAJADO


Gosto de brazilianistas, especialmente de Joseph Love e Stanley Hilton, historiadores aprofundados que destrincharam eventos desprezados por aqui. Mas há a besteirada de praxe quando se trata de pessoas como Michael Kepp, que se acha gringo brasileiro quando jamais deixará de ser o que é, apenas gringo, e que deitou besteiras na Folha Equilíbrio sobre o jornalismo engajado no Brasil. Há ainda pessoas como Marcos Aguinis, psicanalista e escritor argentino de sucesso, que teceu generalidades no Correio Braziliense sobre o que ele não entende, o Brasil. Os dois são exemplos de como estamos à mercê de pseudo-pensadores fora das fronteiras. Eles entram no vácuo deixado por nós, que não conseguimos expor devidamente o que somos e temos de melhor.

BOBAGENS - Kepp sugere nosso analfabetismo ao comentar a reação negativa no Brasil ao filme de Michael Moore, Fahrenheit. Diz que os Estados Unidos tem uma longa tradição de jornalismo engajado (do qual Mike faz parte) e que aqui, ao contrário, a grande mídia no Brasil propaga o mito de que a notícia deve ser objetiva e imparcial. Asneira. Nosso jornalismo nasceu engajado. Basta ver a pesada panfletagem do século 19. No início do século 20, o jornalismo político partidário era o único que havia. Nos anos 50, a poderosa rede de jornais Ultima Hora era totalmente engajada no trabalhismo. Nos anos 60 e 70, a imprensa alternativa, com Pasquim à frente e mais ainda Opinião e Movimento, era o supra sumo do engajamento. Hoje, temos, no mínimo, Carta Capital, que é totalmente engajada, toma partido corajosamente, incomodando os pigmeus de praxe. O que há no Brasil é ditadura, concentração extrema de renda. Todo mundo sabe que a grande mídia é totalmente engajada no poder, seja qual for o poder, pois dele depende para se manter em pé, já que se endividou até o osso e destruiu a profissão de jornalista. Diz Kepp que o mercado aqui é pequeno demais para sustentar qualquer tipo de jornalismo engajado. Outra besteira. O Pasquim vendia 200 mil exemplares em 1969 até ser assassinado pela ditadura. O mercado não é pequeno, é enorme. O que é pequeno é o número de leitores que se submetem à mídia vendida. O resto não lê jornal porque sabe que está tudo dominado. O problema portanto é político e não porque a gente seja asno o suficiente para acreditar em jornalismo isento. Além disso, Michael Moore foi um sucesso no Brasil. Quando o último best-seller dele, Cara, Cadê o meu país, chegou da gráfica já tinha dez mil exemplares vendidos no primeiro dia. Todo mundo foi ver Tiros em Columbine e está vendo Fahrenheit. Articulistas da mídia vendida chiaram porque Michael Moore incomoda a cômoda posição de pseudo jornalistas.

GENERALIDADES - Vamos agora ao hermanito Aguinis, que sustenta a tese insustentável de que as sociedades onde se pretende beneficiar o coletivo são as que fracassam. E cita o exemplo da tal civilização anglo-saxônica (a mesma que hoje inferniza o Iraque e em 1945 matou centenas de milhares de civis japoneses com duas bombas atômicas; gente fofíssima). Esta seria um sucesso porque, segundo Aguinis, protegeu os direitos individuais enquanto a América Latina (essa ficção) acredita que as idéias coletivas vão levar ao progresso. Ele acha que a Argentina era rica até 1930 porque desenvolveu um modelo anglo-saxônico com população que não era anglo-saxônica. Não cito mais porque o nível de abobrinhas já explodiu a cota. Para mim a Argentina rebentou de tanta riqueza quando vendeu-se à Alemanha na segunda guerra e tirou vantagem do conflito enquanto nós fomos lutar na Europa contra o nazismo e o fascismo. A Inglaterra é vencedora porque tornou-se eficiente na pirataria internacional, montou uma Armada invencível e destruiu todo mundo que se opusesse a ela, não porque respeite os direitos individuais. Diz Aguinis que aqui gostamos do homem forte e que na Inglaterra gostam é de um bom administrador. Bobagem explícita. A Inglaterra gosta da força, tanto é que mantém a monarquia, que é a imagem tradicional dessa força. Se Tony Blair é bom administrador então eu sou o Imperador do Acre (a participação no fracasso do Iraque é o exemplo mais vivo da sua eficiência administrativa). Diz Aguinis que a linha demagógica-populista ameaça o que ele chama de continente (essa ficção, a América Latina). O que ameaça os países pobres é a pirataria internacional via juros da dívida eterna e não o populismo (até quando vão insistir nessa tecla?).

RETORNO - 1. Meu texto A Mutação dos Espaços, sobre o clássico Santos e Flamengo, está no La Insignia. É sempre uma honra participar da equipe de colaboradores do editor Jésus Gómez.
2. Neste mês, despede-se da Fiesp para justa aposentadoria, essa pessoa magnífica que é Elisa Santos, a quem muitos jornalistas que trabalham em São Paulo devem demais. Elisa é craque no meio de campo e cuida que tudo corra bem para todos os colaboradores e funcionários de comunicação da grande instituição, onde começou muito menina. Elisa é incansável e atenciosa e jamais perde o bom humor. Este que foi seu colega por muitos anos presta agora pequena mas sincera homenagem, neste momento em que ela vai usufrir do que cultivou em longa e proveitosa vida dedicada ao trabalho. Não esqueça de nós, Elisa!

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