19 de outubro de 2004

TREZOITÃO NO JOGO DA VIDA

O homem que entrou de revólver em punho no cenário do programa Jogo da Vida, da apresentadora Márcia Goldsmith, na Band, domingo, encarnava a fala excluída que tenta reverter a situação. Bastou apontar o 38 para que o programa estivesse aos seus pés. A voz trêmula da apresentadora contrastava com sua segurança minutos antes, neste programa que é uma das muitas apelações para empilhar pontos no Ibope à custa da desgraça alheia. Márcia teve coragem de enfrentar a barra, apesar de, naturalmente, ter entrado em pânico (o que não é uma contradição, pois só há coragem se houver medo, coragem sem medo é covardia). Mas ela experimentou o lance de ficar à mercê da fala alheia, que se impunha por meio de uma arma. Essa experiência a desmontou e cobre de dúvidas a continuidade do programa.

CRÍTICA - Vim pedir ajuda, disse o intruso, que reivindicava ver os filhos, impedido que estava por sua ex-mulher. Seu erro foi segurar o microfone. Ele começou então a usufruir da oportunidade que tinha criado para dar seu recado. Distraiu-se ao ocupar a mão esquerda, deixando a outra, que segurava o revólver, amolecer. Foi quando um segurança aproveitou para desarmá-lo. Mais tarde, depois de ter sido imobilizado, confessou que já tentara o Ratinho e outros programas, mas sempre fora rejeitado. Seu gesto de desespero foi largamente explorado por esse obscurantista presunçoso que é o José Luiz Datena, que justifica o Jogo da Vida por dar de dez a 12 pontos no Ibope, e isso lhe basta para rejeitar qualquer crítica a esse tipo de apelação (essa é a realidade é sua tautologia favorita). A crítica não é permitida no Brasil, especialmente a crítica à televisão. A principal devastação provocada pela TV monopolista, que não admite críticas, é a de treinar a sociedade nas falas do poder, para que essas falas se reproduzam ao infinito e assim sustentem a divisão injusta de renda a que está submetida a população. A lógica elementar que norteia a falta de cidadania hoje está submersa no açúcar das materinhas politicamente corretas, no denuncismo das exceções (quando todo mundo sabe que são regras), no imobilismo social (fazer o quê? é o jargão), no horror à concorrência (não tem para ninguém), na catarse da violência para fins comerciais, na pseudo atenção aos telespectadores (Bom dia, imbecil), na desmoralização da educação (perguntas idiotas para respostas idem) e por aí vai. O mais grave são os testes de DNA, as brigas em família, os choros convulsivos, os casamentos arranjados em frente às telas, os dias de princesa (a ascensão lotérica, fonte de conflitos), os jogos da vida. Nessa mixórdia desceu de pára-quedas um desesperado de arma na mão, que poderia causar uma tragédia de verdade. Hora de reavaliar tudo, já que diante a morte tudo vira pelo avesso. Num surto de humanização, Márcia deu seu depoimento sobre o caso com a cara toda pipocada pelo stress. É o fim do império das aparências e o momento de uma súbita revelação.

ESCOLHA - A paz mundial ou a estagiária? perguntou o gênio para o presidente Clinton. Sabemos qual foi a escolha. O resultado foi a derrota de Al Gore para o cowboy, que pôs fogo no mundo. Clinton teve um enfarte recentemente, talvez por culpa, pois tinha tudo na mão. É uma pessoa brilhante e poderia ter usado sua inteligência e capacidade para promover algo duradouro e não a fajutagem global dos anos 90. Talvez seu estado tenha se agravado agora que toma corpo a versão de o 11 de setembro ter sido todo armado pela direita americana, conforme e-mail que rola pela internet. A versão é dada pelo historiador Stanley Hilton, que está sendo ameaçado e perseguido por declarar que Bush comandou pessoalmente os atentados. A idéia de transformar a presidência americana numa ditadura por meio de um falso Pearl Harbour tem 35 anos, segundo Stanley Hilton, que conviveu com a turma de Bush na época da faculdade. O site anti-Bush mais contundente é o Reseau Voltaire.

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