10 de novembro de 2004

ORIGEM DA GERAÇÃO MIMEÓGRAFO



O último movimento poético que se tem notícia é a chamada Geração Mimeógrafo, dos anos 70, anunciada em livro da pesquisadora Heloisa Buarque de Holanda no livro 26 poetas Hoje. O problema é o seguinte: livro mimeografado já existia no Brasil no final dos anos 60. Foi o Marco Celso Huffel Viola (foto) quem fez o livro Tombam os primeiros homens nos trigais, que tinha poemas meus e contos da Mariza Scopel. Esse livro foi levado por nós para São Paulo e o Rio, onde ficamos num apartamento de artistas na rua Farme de Amoedo, em Ipanema. Lá implantamos a idéia do livro mimeografado. Só agora Marco Celso viu isso de forma clara, numa carta que tem um trecho reproduzido a seguir:


VIAGEM - "Nei, brabo eu fiquei foi comigo mesmo por ter ignorado este tempo todo a verdadeira importância do nosso trabalho naquela época. Sabe aquela viagem no Rio da Janeiro que nós fizemos? Foi depois daquilo que começou tudo isto no Brasil. Fomos nós cara! Fomos nós que mostramos que era possível enfrentar a coisa toda daquele jeito que nós estávamos fazendo! Lembra que havia um medo danado e uma surpresa grande onde a gente chegava? Me dei conta agora! Estivemos em São Paulo e Rio, a Nazaré de Almeida fez o mesmo percurso por Brasília, e sei lá mais onde,vendendo poesia. Nós começamos tudo, todos eles vieram depois de nós. Não existe geração espontânea! E o documento está lá, na entrevista de junho de 1969 na Folha da Tarde de Porto Alegre. Além das muitas testemunhas dos nosso recitais e do livro Tombam. Nós começamos tudo, mas sem querer nunca reivindicamos nada."

O mais impressionante dessa revelação é que todo esse tempo eu achava que eles eram os caras, eles eram os grandes artistas da capital cultural do país e nós apenas dois gatos pingados vindos do chamado Sul, que na maior inocência mostramos como driblar a censura da ditadura e o cerco e a má vontade das editoras. Mas foi exatamente o contrário: nós levamos a solução e por décadas ficamos em silêncio, sem publicar, nada. Anos atrás, descobri o telefone do Marco Celso na Internet e liguei para ele. Foi a duro custo que consegui que ele começasse a me responder e a me enviar seus poemas. Hoje, quando lança seu primeiro grande livro, Poemas para ler em voz alta (que terá resenha minha de página inteira no Diário Catarinense no próximo sábado) vejo o crime cometido contra esse grande poeta, que ficou no ostracismo depois de inventar um movimento que hoje é reconhecido totalmente. Jamais fomos citados em nada. Culpa nossa? Não sei não. Mas o importante é que estamos de volta, com nossos livros e o pé novamente na estrada. Vamos inventar outra?

EXPLOSÃO - E quanto tempo, amigo, ficamos em silêncio, vendo a festa alheia como se nada tivéssemos com isso? Lembro de Cacaso, um dos poetas da geração mimeógrafo, grande figura e pessoa maravilhosa, indo lá na Folha de São Paulo me visitar e falando de toda aquela poesia. Lembro que fui procurado por todos no tempo em que eu tinha influência na grande imprensa e fiquei anos e anos escrevendo sobre o trabalho dos outros e depois que finalmente consegui publicar meu No Mar, Veremos, vi como foi impossível furar o cerco, o bloqueio que tinha se levantado ao nosso redor. Até hoje esse livro não ganhou uma resenha exclusiva na grande imprensa.

Vejo agora Universo Baldio sendo ignorado, com raras e honrosas exceções, e os grandes jornais e revistas, aqueles em que trabalhei por muito tempo, jamais me citarem, a não ser em algumas notas. Quero ser citado? Não quero ser enterrado vivo! Queremos dizer que continuamos vivos. E você, Marco Celso, o mais radical entre nós, criador de uma poderosa poesia que agora vem à tona, o quanto você roeu esse osso brasileiro duro, sendo colocado de lado em todas as antologias, sem jamais ser lembrado, como se não existisses, tu que descolaste a gráfica, o papel, a matriz de silk-screen para fazer aquela capa louca, só de letras (all type! gritam os editores de arte) e que me trouxe o livro que tinha, já na primeira página, meu poema Outubro, que fala em trabalho duro, sugar de pedras, rasgar os caules, colher ar puro. E que trazia aqueles poemas loucos teus e os contos radicais da Mariza (outra escritrora que sumiu).

Tu me perguntaste, Celso, como poderá me agradecer e eu já te respondi: te resgatar é também me ressuscitar, nós os poetas ocultos, que estamos agora novamente na beira do grande lago da literatura brasileira, de novo sem reivindicar nada. Como disse Torquato Neto, sou o que sou, vidente, e vivo completamente todas as horas do fim. O fim que é um começo novo, Marco Celso, e mesmo que novamente não nos escutem, estaremos dizendo o que nos foi legado, essa forja dos deuses de onde saem palavras de uma obra única, nossas poesias irmãs porque foram criadas juntas, nossa ousadia que de tão grande até mesmo nós duvidamos de tudo isso.

Ninguém acredita? Tanto faz. Nós acreditamos. Antes de nós houve algo? Não sei. Fizemos porque decidimos fazer, do nosso jeito. E resultado foi uma explosão. Só agora descobrimos a origem daquele ruído.


RETORNO - (março de 2011): Este post foi escrito há sete anos. Hoje, Marco Celso Huffel Viola está no topo da agitação cultural em Porto Alegre, com o Portopoesia, junto a dezenas de poetas. É a continuidade daquele trabalho que por décadas foi dado como perdido.

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