8 de dezembro de 2004

O ANO DA VERDADE

A cidade entra no purgatório de dezembro e nem mesmo a sombra de um banco na bela praia de Itaguaçu é capaz de reter o visitante por alguns minutos. O suor expulsa com sua vassoura engordurada e é hora de despedir-se daquelas pedras misteriosas, da água quieta e brilhante e pegar o ônibus de volta. Praia do continente tem essa leveza, flutua como lembrança boa. Praia da ilha é mais densa, é carregada de expectativas. Entre esses dois rostos do mar navega minha vida, que se entrega ao cansaço depois que o Ano do Livro expôs todas as forças, nos exaurindo e agora recolhendo os cacos para o novo tempo que chega. A Virada em 2003, o Livro em 2004, o Ano da Verdade em 2005.

FLAGRA - O que é a verdade? Cristo silencia. A verdade, no caso, é a pergunta. Perguntamos o que queremos responder, mas nem sempre queremos eliminar a nossa dúvida. Jamais perguntamos o que desconhecemos, isso é dar muita bandeira. Perguntamos aquilo que nos dá certeza da precariedade do Outro, que irá dizer o oposto da verdade de que estamos impregnados. A pergunta no Brasil não é especulação filosófica, é manifestação do espírito de porco. O ponto de interrogação é uma advertência, uma rasteira, um flagra. Nossa ciência, por isso, é marginal. A pergunta científica, aquela que busca a solução, fica à parte, longe do centro dos acontecimentos. Para qual país o senhor torceria, se houvesse uma luta entre o Brasil e a Rússia? perguntaram um dia para Luiz Carlos prestes, que caiu na armadilha. É claro que ficaria do lado da Rússia revolucionária, respondeu o líder. Dançou aí, devido a uma pergunta bem brasileira. Qual o preço do pãozinho? perguntou Boris Casoy para Eduardo Suplicy, e o senador não sabia, claro, jamais vai à padaria comprar pãozinho. O senhor acredita em Deus? perguntou Casoy para o marxista de pose FHC e o candidato a prefeito FHC dançou. Quem matou Odete Roitmann? não era uma pergunta, era uma peça de marketing. Como é que você se sente e como é que é essa coisa, perguntam os repórteres de TV , porque a pergunta para eles é apenas uma redundância,. Algo pró-forma, uma escada do noticiário e não uma pergunta real. Como vai você? é outra abordagem mecânica, e só os chatos respondem com mais de duas sílabas. Você está bem? te perguntam aqueles que nada querem saber de você.

2005 - O que significa o Ano da Verdade? Será o tempo em que todas as máscaras cairão e estaremos frente a frente com nossa precariedade. O desafio será encontrar a divindade nas ruínas da nossa vida. Celebrarmos o encontro com as palavras nuas, as frases cortantes, os versos mais fortes. Será um pesadelo, me dizem. Não importa. Ficamos tempo demais em silencio. Adiamos demais o destino. Teremos que falar aquilo que realmente conta e não o horror que é a percepção que temos dos outros. Não vale dizer falsas verdades, como por exemplo como você está horrível, isso não é uma verdade. Ou como você emagreceu ou engordou. Será proibido comentar aparências. A verdade é o brasileiro sério apostando na soberania da própria vida. Não significa ser chato, nem politicamente correto, nem sincero em demasia. Falo na palavra com poder de cura, a palavra consciente da morte da criatura, a palavra que você não quis escutar e que gritava dentro de ti. O Ano da Verdade será um poema e depois virá mais tempo de mentiras. Mas pelo menos por esse período vamos ver como é que fica: saber o que temos a doar para esse tempo que se destrói com falas impregnadas de veneno. Será o ano das decisões fundamentais, quando abandonaremos a ilha deserta e tomaremos um navio em direção ao Oriente. A estrada continua lá. Ainda nem foi palmilhada, depois de tanto andar.

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