13 de abril de 2005

A ÚNICA COISA QUE FICA




Nei Duclós

Poetas que escrevem também romances
Poetas que inventaram coisas e depois sumiram
Poetas que marcaram sua época e são esquecidos
Poetas que voltam e ninguém sabe do que se trata

Poetas porque assim nasceram
e que se retiraram porque se achavam muito pouco
diante de tudo, mas que descobriram
que eram tudo diante do muito pouco que veio depois
e que jamais deixaram de ficar vivos

que partiram para a áfrica do próprio exílio
que traficaram as armas do coração no pleno deserto
que até ficam meio sem jeito de levantarem a mão
na praça novamente cheia para dizer
estamos aqui, continuamos aqui

não porque tenhamos alguma importância
não porque merecemos figurar em antologias
não porque alguém nos deve algo
mas porque todos procuram em outro lugar
o que sempre esteve em nós
porque os outros esperam rever
o que nunca deixou de existir
aqui dentro, no peito enfunado de velas

Poetas que não se retiram
porque chegaram uma única vez e isso foi o bastante
e viram como aqueles que estavam fixos no lugar de sempre
cresceram e fizeram sombra sem nada dar em troca
porque nunca foram, enquanto os poetas de verdade
os que saem de mãos vazias e coração partido
são tocados pela graça e disso não abrem mão

Porque partimos de tudo, mas jamais do que somos de fato
um caroço fazendo feio dentro da fruta doce
a semente enorme atrapalhando a mordida
Tente falar com um caroço na boca
Somos nós, os que são cuspidos
e que caem na terra inventando a floresta no meio da pedra

Aqui dentro, aqui no peito enfunado de velas
levantamos âncora. Estamos prontos
sempre estivemos prontos
Poetas que viram romances
que inventam coisas que os outros copiam
e que viram cantos úmidos na cidade seca
sopro de chuva com cheiro de estrada
troco de sonho, adubo de concreto, traça
que devora o couchê impuro
larva no túmulo de mármore

Estamos prontos, venham cuspir no nosso bronze
somos praça, que caia o dilúvio
Temos palavras na caixa jogada fora
pela pandora, múmia que assola o tempo
Há um beija flor parado no ar pesado de chacais

Pouse em nós, geração jogada no lixo
pouse no que esqueceram
porque o tempo repete-se como um verso moribundo
e a única coisa que fica
são os poetas que abriram mão da covardia

RETORNO - O poema acima foi escrito no bate-pronto numa carta que enviei para Marco Celso Viola, que está aprontando várias em Porto Alegre, a cidade da cultura. O poema foi feito no estilo do Celso, naquele tranco especial dos versos dele que estão imortalizados no Tombam os primeiros homens nos trigais, de 1969, o livro que inventou a literatura de mimeógrafo. Portanto, o que está escrito neste post é em homenagem a ele, o grande poeta oculto (mas não por muito tempo).

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