15 de abril de 2005

A ORIGEM DAS ESPÉCIES



Fiquei chocado com um repórter de TV que desconhecia a origem do tratamento de macaquitos, com o qual somos brindados pelos argentinos. O jornalista confessou que as fontes consultadas, o próprio jogador vítima da manifestação racista do adversário do Quilmes, entre outras, todas ligados ao futebol, não sabiam. A solução era ir atrás, pesquisar. Macaquitos eram os brasileiros negros que formavam os batalhões dos Voluntários da Pátria na guerra do Paraguai, numa época que coincidiu com o branqueamento da nação Argentina, um processo, digamos, bem sucedido, já que desconheço argentino negro, a não ser os morochos, morenos cruzados com índio, como o Passarola. Falando nisso, o Ministério Público desconfia que Kia e cia, que dominam o Corinthians, se apóiam no dinheiro da máfia russa que financia o MSI. Cianorte um, Corinthians cinco? Então, tá.

GRAFITE - O apelido do jogador vítima de racismo é puro racismo. O cara é conhecido como Grafite, assim como o Edílson é chamado de Capetinha por parte da crônica esportiva. Ser negro não ofende ninguém, avisa Galvão Bueno, totalmente morocho, ou seja, moreno, explicitamente com ascendência negra (ele fala como se não fosse negro). O grande problema do racismo é que os racistas se acham brancos. Vejam os nazistas de São Paulo: são todos, tecnicamente, negros, mas se acham sangue-bom, essa expressão esdrúxula que tomou conta das galés. O que me surpreendeu (e não deveria) é que numa enquete do jornal Olé, de Buenos Aires, 60% dos entrevistados apoiaram a prisão do argentino que xingou Grafite de negro. Sinal que o país vizinho não é o que imaginamos dele. Há diversidade de opinião, existe ética, nem todos assumem aquele ethos arrogante insuportável a que estamos acostumados. No fundo, o racismo é um assunto complicado. Chamar os negros daqui de afro-brasileiros é de uma infelicidade única, já que 500 anos de Brasil não transforma ninguém em africano. O negro brasileiro é fruto de mestiçagem de etnias africanas, indígenas, caboclas e tudo o mais. É brasileiro e não afro. O problema é que a escravidão negra é reiterada pela mídia todos os dias. Existem duas novelas, Escrava Isaura, na Record, e Xica da Silva, no SBT, que mostram negros sendo açoitados, negras indo para cama com brancos, prepotência de senhores de escravos. Isso chama-se reiteração de papéis sociais e jamais denúncia. Quem faz denúncia é o cineasta Gillo Pontecorvo em Queimada, com Marlon Brando e Evaristo Márquez, um filme criado sob a ótica do marxismo clássico e que mostra, didaticamente, como se faz a dominação sobre os negros. Exagerar nas cenas de atrizes negras se refestelando na cama com senhores brancos não denuncia nada, ao contrário, põe lenha no fogo do racismo. Visitar, com cara de boi compungido, os lugares onde eram traficados os negros, como faz Lula na sua viagem à África, é apenas marketing, não refresca o racismo para este lado do Atlântico.

EMBATE - O futebol tem natureza quântica, ou seja, é feito de probabilidades. A lei do impedimento é a regra mais sofisticada do esporte mundial. Há uma tendência, por isso mesmo, de eliminá-la. No futsal, claro, não existe. Os americanos, com seu execrável soccer, não entendem nada de impedimento, é só ver os filmes que eles fazem: colocam os jogadores em linha avançando impetuosamente sobre o adversário, como fazem no assball lá deles, o jogo que dizem ser futebol americano, mas no fundo é exposição impoluta de rabos que disputam um troço oval que nem bola é. Tecnicamente o futebol é democrático, pois pode colocar o principado de Mônaco enfrentando a Rússia que são onze contras onze. Mas a camisa, a tradição, a cultura acumulada, pesam. No caso dos embates entre Brasil e Argentina, como aconteceu entre Quilmes e São Paulo, há sempre a determinação adversária de não dar o braço a torcer, já que somos países vizinhos. Os argentinos (ou melhor, uma parte deles) babam com o Brasil, adoram isso aqui e sentem a maior inveja misturada com desprezo. No fundo os racistas de lá não admitem a superioridade pelo que eles entendem de negros de segunda categoria (como vi num filme portenho, em que uma mulher fazia comparações entre os negros daqui e os africanos, esses sim verdadeiramente negros). Lembro uma vez em que entrei, barbudo e cabeludo, numa lanchonete no Rio de Janeiro junto com meus companheiros de estrada, todos muito anos 60 e um garoto disse para a família reunida ao redor dele: mira, papá, los negros. Eles se acham europeus. Ok. Macaquitos três, blanquitos uno e solamente uno.

RETORNO - Enquanto Lula (que é negro, como todos nós) pedia perdão pela escravidão no Senegal (e ao mesmo tempo continua nos deixando escravos do sistema) 90 médicos cubanos eram expulsos do estado de Tocantins pela confraria dos médicos locais. A justificativa é que não são reconhecidos oficialmente no Brasil como médicos e que isso abriria um precedente para os curandeiros . A medicina cubana é modelo de medicina pública e não curandeirismo. O embaixador cubano explicou a diferença com um ar irônico. É duro falar para países atrasados como o nosso. Fidel Castro colocou uma vião à disposição para levar de volta seus compatriotas. Uns trinta ficaram porque casaram com brasileiras.

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