5 de maio de 2005

A DECISÃO POR PÊNALTIS




A decisão por pênaltis é o juízo final do futebol. É quando separam-se os vivos dos mortos. Porque o futebol não é espetáculo nem entretenimento, como querem os apresentadores monopolistas da televisão. Os espectadores não estão se divertindo, estão participando de uma guerra entre facções inimigas. E quando há um jogo definitivo, misturam-se a um momento mortal onde não há perdão para qualquer deslize. Toda uma vida pregressa está nas mãos desse tribunal inumano e implacável.

PESADELO - A humanidade é vocacionada para a guerra. Precisa lutar de alguma forma. As pessoas vão ao estádio porque querem vencer. Por isso os coros com palavrões, a condenação prévia do árbitro, o desprezo dedicado aos bandeirinhas, os adversários sendo tratados como alvos. Vale tudo nesse território sangrento: racismo, ódio, exclusão, socos, xingamentos e pontapés. A alegria da superioridade de uma parte da platéia e seus gladiadores tem sempre seu lado oposto, a sombra dos prejudicados. A festa, por isso, nunca é bonita, como diz o Galvão Bueno. A festa pode virar um pesadelo: o campeonato que acaba mais cedo, a vaga que se esfuma, como aconteceu ontem com o Corinthians (patrimônio nacional atualmente em mãos estrangeiras). Com isso, esvai-se não só as vitórias, mas o dinheiro que se deixa de ganhar. Como a política, o futebol é a continuação da guerra ou até mesmo a sua anunciação ou o seu rescaldo.

APOCALIPSE - Batedor e goleiro se enfrentam para definir a sorte. O retângulo do gol não interessa. Visto do batedor, todo o foco está centrado no corpo móvel do goleiro. Visto do arco, a bola está parada como águia que aguarda o próprio bote. O vôo é na velocidade da luz. O planejamento desenha-se numa série de gestos: a corrida curta, o impulso, a posição ocupada pelo pé na hora do chute, a coreografia do arqueiro que precisa atrair a águia para seus braços. As aves de rapina aparentemente são dóceis quando domesticadas. Mas só quando estão cegas, quando algo tapa seu olhar de diamante. Basta tirar-lhe o capuz (o chute) para que avance sobre a presa como celerada. Conforme a ordem emitida, poderá chegar à rede, como aconteceu na falta batida por Tevez; ou na lua, como o chute desastrado de Roger. Tevez debochou do goleiro negro fazendo cara desafiadora depois de conseguir o ponto. Faz parte, está no seu DNA cultural. Em compensação, Cleber correu para a bola no último lance como um algoz cai sobre o pescoço da vítima. Ele foi com tudo. Não dispunha mais de pés nem de corpo, era só vontade, a gana de colocar aquela bola dentro, custasse qualquer coisa. Cleber queria escapar da maldição de ter tido a vaga nas mãos. Poderia ter deixado partir, poderia ter adiado o desenlace. Mas ele não deu chance ao destino.

GRITO - Cleber correu como nunca, como um louco atrás da miragem, como touro que investe contra o pavor do fugitivo. Quando conseguiu classificar o Figueirense para as quartas-de-final, continuou correndo tirando a camisa, pois já não cabia mais no time, fazia já parte de algo maior, que rebatia das arquibancadas como vagalhão de mar, como repuxo violento de maré. Para um corintiano em recesso como eu, que quer ver pelas costas os argentinos e todo o resto da máfia que pegou o Corinthians para si, foi um momento empolgante. Gritei para o video: Tu vai fazer esse gol, cara, tu vai conseguir chutar a cara do Passarola, corre Cleber, corre para quebrar a espinha desses bandidos! Foi assim que um pacato cidadão brasileiro transformou-se na contrafação do guerreiro que evita ser, por educação e civilidade. Compreendam. Quero o Corinthians de volta.

RETORNO - Vejo no Jornal Nacional que a crise estás instalada no Corinthians. O perdedor Passarola, o tosco Tevez e toda a caterva devem voltar de onde vieram.

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