1 de julho de 2005

A LIBERDADE EM ROBERTO JEFFERSON




Não quero dizer que o deputado que escancarou os esquemas de corrupção da ditadura civil seja um homem livre. Ele está frito, como prova o olho inchado no depoimento de ontem, o que pode ser apenas uma advertência (acidente doméstico? conta outra). Nele, a liberdade de revelar o que sabe toma forma de uma avalanche. Quando se declarou um não-herói, nem melhor nem pior do que seus pares, muitos dos deputados baixaram a cabeça. Se ele estiver mentindo o tempo todo (o que não condiz com as evidências levantadas até agora), sua liberdade é uma encenação. Mas se estiver mesmo colocando no ar todo lixo acumulado e abrindo os armários para deles saírem os fantasmas que sugam a nação, então não há pessoa mais livre no país. E essa liberdade veio por meio da palavra. Dizer com todas as letras, eis o nome da liberdade, um ofício que liberta quem o exerce.

BURACO - Fiquei impressionado com a contundência de Roberto Jefferson. Claro que esse paga-pau dos poderosos que é o Arnaldo Jabor (que na era FHC foi todo salamaleques para o poder) diz que ele é um ator. Como um dia foi diretor de cinema, a maneira que Jabor tem para desqualificar alguém, ou seja, colocá-lo sob seu redil de diretor, é o de chamar de ator. Todos lembram como ele se referiu a Marlon Brando quando o maior de todos os tempos morreu. O Mar-lôn, dizia ele, com o maior desplante, como se fizesse parte de uma elite de meteurs-en-scène que trata os atores como gado. Se RJ é ator, então precisa ser dirigido. E esse diretor é Jabor: ele está fingindo, mas tudo isso é muito bom, pois ficamos melhores se soubermos o que acontece nos bastidores da política, disse ele. Jabor, junto! Fica quieto, rapaz. A contundência de Roberto Jefferson atinge a todos. Os esqueletos e fantasmas pertencem a toda nação. Ninguém é inocente, ninguém pode dar uma de comentarista isento. Ficamos quietos quando devíamos gritar. Voltamos para casa quando devíamos lutar. Zapeamos o noticiário para ver filme com atores alimentados por maizena. Achamos normal quando denunciaram fraude em algumas votações. Quando o boca mole do comentarista olha por trás dos seus óculos de sapiência a situação em que o país se encontra, grito para ele: tu também é corrupto, imbecil! Não se faça de coisa fina. Vives de subsídio do governo, já que trabalhas para uma empresa de comunicação falida.

RUPTURA - O mais importante da crise é que ela desmascara a publicidade oficial, reduto de patranhas que acaba sufocando o jornalismo sério. O reino da caixa dois, de malas de dinheiro, que absorve a grana preta que o governo tunga da população, é um escândalo sem limites e sabemos o quanto isso é antigo. Só que nunca houve um RJ antes. Imaginem o PC Farias dizendo: roubei sim, não sou herói, mas todos vão junto comigo para o buraco. Economizaríamos dez anos, no mínimo. Há esperança que se saia desse imbróglio como sempre aconteceu: na safadeza. Não vai dar certo desta vez, porque as elites da ditadura civil se engalfinham pelo butim. Até agora, funcionou assim: cada partido que tomava o poder central levava uma quadrilha para se apropriar de parte do Tesouro Nacional. Desta vez, a coisa fedeu. Está sobrando pouco para quem está histérico. Então é o momento da ruptura. Já está existindo novos arreglos (quanto custam? ninguém pergunta), como esse do PMDB com o PT oficial, um arreglo que está cindido, pois existem defecções de ambos as lados. Lembrem 1964. No fundo foi isso: a direita sabia que não tinha vez contra o trabalhismo, então foi à forra, usando as Forças Armadas, envenenadas pela propaganda mentirosa dos tribunos fascistas. Agora a direita ataca (viram a propaganda ontem do Partido Progressista, elevando aos céus Severinos e Malufs?). Mostra-se de cara limpinha, em oposição ao PT, que estaria com as mãos enlameadas. É muito cinismo e cretinice. A imprensa já disse tudo sobre a eleição de Severino e as contas de Maluf no Exterior.

DITADURA - O que fica cada vez mais claro é o que o Diário da Fonte tem demonstrado nos últimos três anos: de que vivemos ainda sob o regime de 1964. Agora, cai a máscara da ditadura. A democracia do porrete, diz a manchete do excelente Zero, jornal do Curso de Jornalismo da UFSC. Quando Florianópolis voltou a 1964, diz o título das páginas centrais, abordando, como no resto da edição, a repressão às manifestações vitoriosas contra o aumento abusivo do transporte público na capital catarinense. Não temos mais União e presidencialismo. Temos o federalismo dos grotões, governados pelo parlamentarismo do baixo clero, como dizem os colunistas da elite.

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