26 de agosto de 2005

O PAÍS PERDIDO

O PAÍS PERDIDO

Nei Duclós

Abro mão de ti, Brasil
Tuas praias imundas me expulsaram
Teus náufragos me caluniaram
Teus revolucionários me entregaram
Teus ricos te deram de bandeja

Abro mão de ti, Brasil
Não por querer outra nacionalidade
Estou farto de nação, depois de ti
Não por querer outro tratamento
Perdi a esperança de qualquer cidadania

Abro mão de ti, Brasil
Embora saiba que sempre serei teu
Porque me marcaste a fogo na costela
Porque desenhaste meu gesto impuro
Porque fizeste minha cama amarga

Abro mão de ti, Brasil
Cansei da soberba soberania
de escravos travestidos de senhores
De ficar de prontidão na fronteira
Da força inútil do teu braço

Abro mão de ti, Brasil
País aberto a todas as violências
Fechado a toda competência
Longe da própria grandeza
como avião encalhado na lama

Abro mão de ti, Brasil
Não há farol para o abismo
Não há grito que traga socorro
Não há dor que conheça limite
Não há sombra que desista

Abro mão de ti, Brasil
Porque eu jamais deveria ter vindo
Sobro em todas as instâncias
Insisto em portões fechados
Cansei de bater palmas no vazio

Abro mão de ti, Brasil
Decidi ser livre do teu berço
Sou desterrado sem passaporte
Preso nas tuas grades eternas
fui jogado fora do teu destino

Abro mão de ti, Brasil
Talvez sem mim algo aconteça
A vitória enfim mostre a cara
O corpo perdido na guerra
seja resgatado em alto mar

Serás então um outro, Brasil
Pois livre da minha presença
Poderás colher teus frutos
E semear em paz teu futuro
Farto da fome que me levou

Todos voltarão para ti, Brasil
Menos eu e minhas palavras
Menos o poema e sua carga
Menos a vontade que me ataca
toda vez que te pisam, Brasil

RETORNO - Esta declaração, pelo avesso, de amor pelo Brasil foi publicado originalmente em julho de 2003 pela revista Sagarana, traduzido para o italiano por Julio Cesar Monteiro Martins e uma equipe da Universidade de Lucca, Italia. Foi escrito antes da atual crise. Considero atual. Muito antes do desencanto que toma conta da nação, a poesia já estava de prontidão. Só espero que não levem ao pé da letra e nem leiam apenas as primeiras estrofes. É preciso chegar até o fim, quando reafirmo o que sou, um combatente do Brasil Soberano, que não tolera que seu país seja pisoteado. Outro detalhe: as praias imundas a que me refiro todos sabem quais são. Naturalmente, não são as águas que banham esta parte da ilha de Floripa.

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