12 de agosto de 2005

SINUCA DE BICO



A Confederação Brasileira de Bilhar e Sinuca explica o que é sinuca de bico: situação de jogo em que a bola branca toca ou se aproxima do bico (contorno arredondado no canto, junto às caçapas), impedindo que o jogador atinja outra bola visada, em tacada natural direta. É a situação do Brasil hoje, ou seja, da maioria que votou em Lula e da militância que ajudou a elegê-lo. Caímos numa armadilha, graças ao voto de cabresto, que nada mais é do que o voto útil. Lula foi eleito não só pelas suas propostas e sua biografia, mas porque era o caminho para erradicar o tucanato do poder. Quem viu FHC entregar o país quis vê-lo fora, depois de uma década no poder (contando sua gestão no Ministério da Fazenda do governo Itamar). Havia, antes do depoimento de Duda Mendonça, uma saída para a trama: a de blindar o presidente para preservar a representação das lutas populares. Isso caiu por terra e fala-se abertamente em impeachment. Agora complicou, pois a mídia poderosa está manipulando o noticiário, como aconteceu com o Jornal Nacional ontem, que colocou o fato mais importante do dia (a entrega de Duda sobre remessa ilegal para paraísos fiscais, ordenada pela cúpula do governo) no miolo do noticiário, destacando outros eventos como sendo os mais importantes. Há também o caso da Veja, que mentiu ao transformar um movimento estudantil de Porto Alegre, que era pró-Lula, num ato contra o presidente. Quais os cenários possíveis que poderão resultar desse impasse?

DIREITA - O primeiro é Lula continuar no poder e ser derrotado na reeleição, si se candidatar. Perderá para a direita, guindada à posição de guardiã da moral e dos bons costumes. As outras opções não incluem Lula. A mais óbvia é José de Alencar assumir, compromissado com a direita . Isso se o vice-presidente não for respingado por alguma denúncia, pois do jeito que vai, ninguém escapa. Alencar sobe e se reelege ou não. Um cenário mais delirante (mas nem por isso menos plausível) é a direita assumir o poder via parlamentarismo, com um mandato tampão do presidente Renan Calheiros ou Severino Cavalcanti. Há ainda o velho temor do golpe militar, devido às insatisfações da tropa, mas das Forças Armadas nada sabemos, graças à imprensa, que virou-lhes as costas, e à esquerda, que apostou na vilanização militar, como se a ditadura fosse obra exclusiva da caserna (sabemos que foi de uma parte da caserna e da direita civil, entronizada nos governos estaduais e em parte do Congresso).

POVO - Ninguém sabe o que pensa a jovem oficialidade, ninguém entende de História Militar no país, com honrosas exceções. Um movimento militar só provoca uma pergunta: com quem os militares irão se aliar para gerar uma saída? A direita não precisa dos quartéis, já que está com a faca e o queijo na mão. A esquerda está de mãos amarradas. Diretamente com o povo, uma saída chavista? Impossível, as Forças Armadas não flertam com a esquerda nem com o populismo. Seu perfil é nacionalista, com fidelidade total aos princípios históricos que ajudaram a formar a nação. Homens de palavra, o que se espera sempre deles é a tranqüilidade na tempestade, firmeza e paciência. Poderão, talvez, garantir um mandato do vice-presidente depois do impeachment (se este se concretizar), o que seria uma garantia da permanência do atual regime (que surgiu como desdobramento do regime de 1964), talvez com novas regras, incluindo aí reforma política e mudanças na política econômica. Mas o Império está satisfeito com Lula. Pagamos, em onze anos, quase um trilhão de dólares de juros. Quem vai querer abrir mão de uma teta dessas?

BRIZOLA, PRESENTE - Foi para isso, Brizola, que te anularam e depois te destruíram . Para saquear o país. Tinham medo de ti, pois jamais fariam o que fizeram se estivesses na presidência. Mas não permitiram. Desmoralizaram tua biografia, debocharam do teu sotaque, riram das tuas teses. Uma delas eram as perdas internacionais. Que perdas, se todos viraram modernos, globalizados e eficientes? Para que insistir em coisas antigas, como soberania nacional? Basta uma musiquinha (como diz o Casseta & Planeta) e alguns modelos para fingirmos que somos uma nação. Somos um aglomerado de indivíduos que sonham com uma pátria livre. Para isso dedicamos nossa vida e agora nos vemos diante dos algozes, que nos olham como se fossemos culpados de tudo o que está acontecendo. Eles são poderosos, comandante, eles te venceram. Vencerão a nós, nesta quadra da vida nacional? Nossa têmpera dirá.

JOGO - O jogador se debruça sobre a situação. Sinuca de bico. Olho no temporal, corpo e viagem. Estamos em agosto.

RETORNO - Respingou: escrevi o texto acima antes de saber das declarações de Valdemar da Costa Neto, do PL, sobre as negociações que definiram José de Alencar como vice-presidente. Isso significa crise política profunda. O jogo se define. Qual a saída? Temperança, acordo, sintonia. Ou a elite política encontra uma solução, ou só nos restará rezar.

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