4 de setembro de 2005

MAD MAX EM NEW ORLEANS



É tudo mentira, claro. Invoco o imortal titulo de Tarso de Castro para convidar os leitores a escutar as rádios de Lousiana . O que dizem as vítimas ? Não há polícia e as forças militares ainda estão por vir (na segunda feira!). As pessoas esperam resgate, estão defendendo suas propriedades. Não há governo, apenas caos. Depois que escurece, a coisa piora. Estou com minha arma aqui, disse uma mulher que defende sua família. Posso contar com vocês? perguntou para um policial. Ok, darling, respondeu o sujeito e sumiu. A população vê-se armadilhada numa situação que o marketing jamais revelara: de que são frágeis, de que não possuem nenhum plano de ação em caso de emergência, que o governo está se lixando para a sorte dos seus cidadãos. Ora, são apenas pretos, velhos e crianças, para que se preocupar? Não há solidariedade. Enquanto isso, em Montes Capões, um cidadão que teve sua casa demolida viu amanhecer na sua porta uma pilha de telhas e outros materiais de construção. Os voluntários estão agindo no interior do Rio Grande do Sul. Onde estão as pessoas que querem vir para cá, onde estão os voluntários? pergunta a vítima pela rádio de New Orleans. Por que não estão aqui right now? Na agência Reuters, os mais apavorantes relatos sobre o horror no sul americano.

PREÇOS - Sigo ouvindo a rádio. Não há gasolina no país da gasolina, as pessoas não podem fugir. Outras, como a mulher que deu a entrevista, diz que não vai sair dali, vai defender sua propriedade. Os preços sobem como nunca. Hotéis cheios expulsam os flagelados e cobram os tubos. Não há remédios, nem comida, nem água. É Mad Max puro, o filme em que as gangs lutam por combustível num deserto sem fim. Para onde foi a nação poderosa que ensina democracia para o mundo? Para o lugar onde sempre esteve: para a mentira total. Os bandidos se servem de tudo, até de mulheres e crianças para serviços de estupro. Antes o do furacão, em 2004, dez milhões de turistas foram New Orleans curtir os bordéis, a música, a tradição. O berço do jazz sumiu do mapa. E ao longo do Mississipi, a situação não é diferente: tudo destruído. Mudou toda a perspectiva de mundo, disse um entrevistado na TV. A realidade era outra e não nos dávamos conta. Agora vemos tudo diferente. A ilusão sumiu pelo ralo. Emergiu a podridão de uma sociedade fundada numa doença, o dinheiro, num suicídio, a mentira repetida um milhão de vezes por segundo pela mídia comprada. É tempo de revelações, a custa de centenas de milhares de mortos em todo o mundo. Tsunami não foi suficiente? Iraque? Katrina?

PASSAPORTE - Lembro de uma cena terrível do romance de Tabajara Ruas, sobre o golpe do Chile em 1973. O momento em que o protagonista se vê em Santiago, sem nada, sem dinheiro, sem ter para onde ir, num país que caiu no poço profundo de um golpe de estado. Enquanto isso, Brasília celebra sua falta de competência. Não há saída: o governo acabou e Severino Cavalcanti não poderá assumir. A saída é encontrar um substituto, via parlamentar. O tecido social está descosturado, sentado em cima de 40 mil mortos anos por armas de fogo, mais trânsito e doenças, com desemprego e miséria por toda a parte. Aqui estamos, em meio à catástrofe. O mundo está virando uma arapuca só. Os passaportes não nos levarão a lugar nenhum. O problema é aqui e agora. Onde está o governo? grita alguém na rádio de Lousiana. Estamos nos Estados Unidos da América! As pessoas estão famintas, estão morrendo".

SAM - New Orleans, New Orleans. O que nos diz a cidade assassinada? Toque, Sam, toque. Quem sabe, se você tocar, o amor volta para nosso coração exausto.

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