27 de janeiro de 2006

O TELEJORNAL INFORMA




Jornalistas competentes, rodeados por um esquema vil, sobrevivem com um mínimo de dignidade exercendo o seu ofício. Há limites para a ética dentro de uma empresa de comunicação. Não há virgindade, mas isso não significa que deva haver só sacanagem. Quando o esquema é muito amplo e profundo, caso das redes maiores, fica difícil para o telespectador descobrir o que realmente pega no noticiário. Já sabemos do que são capazes: influem diretamente nas eleições, especialmente as presidenciais, omitem ou destacam fatos conforme os interesses em jogo e, como não conseguem fazer um programa cem por cento, acabam resvalando para as materinhas bem intencionadas, as homenagens apresentadas com muito piscar de olhos, e carinhas fofas dos apresentadores. Mas o grosso do acervo é dedicado aos temas que interessam aos poderes: política e economia. A primeira, colocando close nos rostos que forçosamente precisam aparecer, independente do critério da informação. A segunda, lançando mão da mentira bem fundamentada, ou seja, as pesquisas e as estatísticas.

ESTRELAS - Na sua coluna no Comunique-se, Eduardo Ribeiro informa sobre o novo telejornal da Record, que substitui o de Boris Casoy, demitido: "Há também o aspecto político, que obviamente não se revela e que, suspeita-se, estaria por de trás da decisão de flexibilizar o mais importante telejornal da Record e um dos mais importantes do País. Fonte deste J&Cia diz que não se deve menosprezar a capacidade dos bispos da Igreja Universal do Reino de Deus e muito menos esquecer que estamos em ano eleitoral e que a Igreja tem vários candidatos em todo o País. Boris sempre afirmou que não aceitava interferências e que estava protegido, nesse sentido, por cláusula contratual. Teria saído por esta razão". Esse é o escândalo. Tecnicamente, há a tendência hegemônica de clonar a Globo, o que é ótimo para a líder. Telejornal clonado jamais vai fazer sombra para o pacote de noticiários global. Ao invés de partir para outra escola, como a francesa (em que o noticiário é uma revista diária, com aparição mínima da cara dos repórteres), continuam insistindo no modelo americano, que fabrica estrelas pela superexposição dos jornalistas, em detrimento dos fatos. Não concebo a Record querer pagar dois milhões de reais pela quebra contratual de um repórter tornado famoso pela Globo. Dois milhões? Isso sustenta uma bela redação por um bom tempo.

EUFORIA - Como cansei dos telejornais, tenho visto pouco. Mas ontem fiquei assistindo ao Jornal da Globo, que começou com portentosa matéria em várias capitais falando como o desemprego diminuiu (coisa de meio percentual em média). A euforia da matéria contrastava com os cenhos carregados e rostos preocupados dos jornalistas, que lamentavam, pela cara, a notícia de que o grupo radical Hamas venceu as eleições palestinas. Bush deveria contratar essa turma: eles se preocupam mais com o Império do que os assessores do presidente americano. Havia também o caso da Petrobras, apresentada como empresa brasileira, que estaria alarmada com a decisão do governo Evo Morales de dar uma anexada estatal na subsidiária da petrolífera na Bolívia. Li que a Petrobrás tem apenas 32 por cento de participação brasileira, o resto é dos americanos. Sempre achei, por inércia, que a Petrobrás é totalmente brasileira. Mas, como a maioria das ações é dos estrangeiros, então a encampação não limita suas conseqüências às nossas fronteiras. É uma meia verdade. Quem fala mentira sabe onde colocou a verdade, mas quem diz meia verdade não sabe onde a escondeu, diz Omar Sharif para Peter O´Toole em Lawrence da Arábia.

BOLÍVIA - A grande sensação é o Evo Morales, que tem um nome carismático. Seu prenome remete ao ser adâmico original, que somava os dois gêneros, segundo os rosacruzes. Seu sobrenome é plural de moral, assim como Vinícius, como notou Tom Jobim. A roupa que o novo presidente veste é motivo de rios de tinta e bits na imprensa. Sua posse é vista como hegemonia da esquerda na América Latina, que estaria assim bem servida, já que tem Hugo Chaves, Lula e o presidente uruguaio nesse nicho político. Se esquerda é Lula, se Chaves é modelo, se o presidente uruguaio, que ameaça o Mercosul com acordos bilaterais com os Estados Unidos, é socialista mesmo, então estamos mal servidos de esquerda. Temos uma situação híbrida, como num telejornal. Onde fica a informação?

RETORNO - 1. Acima, quadro de Salvador Dali, que pode ser acessado no visitadíssimo Banco de Imagens do portal Consciencia.org. 2. O governo americano, que fala tanto em democracia, diz para o mundo (que é dele) boicotar o governo eleito democraticamente na Palestina (lá não deve ter telejornal com influência nas urnas). Pelo menos, até o Hamas "depor as armas". Em nome da coerência, onde os americanos vão enfiar o arsenal nuclear e sua indústria armamentista? Se o adversário vence, não vale? Democracia, para os EUA, é o nome da ditadura.

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