8 de março de 2006

O FALSO FÓRUM





Como não há democracia, não há debate que influa diretamente na política. O que existe é uma exposição de interesses em conflito, que jamais chegam a um acordo, já que as posições estão tomadas com antecedência. Como a democracia é falsa, é preciso então forjar a existência de fóruns. Sobram convites à reflexão, como se reflexão precisasse de convite, e caras de conteúdo. Os fóruns na internet, que são os mais numerosos, facilmente descambam para o ataque pessoal. Em alguns espaços há de verdade interesse em debater, mas sempre tem um boi corneta analfabeto que se atravessa e mela tudo.

Na televisão, o velho esquema do povo-fala cria falsos fóruns, como se houvesse realmente um debate sobre determinados assuntos. Nesses casos, o que há são reiterações da pauta ou da passagem do repórter. Está frio? Com certeza. A área cultural sofre da mesma síndrome. O contra-ataque de Marcelino Freire, escritor da chamada geração 90, contra o resenhista Jerônimo Teixeira, da Veja, é puro deboche. Jerônimo no fundo quer fazer parte da turma, diz Freire. Como não li nenhum dos dois lados (os livros de um e as resenhas do outro) não posso opinar. Mas vejo que não há debate, mas ataques, parece que dos dois lados.Ou será que debate é isso? Vai saber...

ESCASSEZ - Nessa cumbuca braba não quero colocar a mão. Vejo que estou anos-luz distante do mundo literário. Já me acostumei ao exílio. Saí desse mundinho muito cedo, pois antes dos 26 anos eu estava na mídia, como poeta militante, com livro publicado, batalhando por espaço nos jornais. Entendi a precariedade de todo esse sistema, a escassez de seriedade na maior parte dele, a falta de um ambiente cultural verdadeiro que entenda e aceite nosso ofício. Fui escasseando nas aparições e acabei me recolhendo por vinte anos. Voltei no final do século passado e já no início deste apareci com meu livro havia mais de uma década na gaveta, No mar, veremos, que saiu pela Editora Globo. Não houve repercussão. Ignoraram olimpicamente (eles tem critérios de seleção, nos disseram). Lancei então um romance, Universo Baldio, pela W11/Francis. Repercussão zero na grande imprensa. Vi então a ocupação dos espaços por parte de inúmeros escritores, com vasta exposição na mídia. Nas antologias, jamais sou citado. Já está escrito com antecedência que não faço parte da literatura brasileira, assim como outros autores. Nunca vi uma resenha sobre Moacir Japiassu na grande imprensa. Deve ter tido alguma, mas desconheço. O cara tem três romances poderosos. Tabajara Ruas tem seis romances, jamais foi resenhado no Brasil de maneira adequada, enquanto na França é festejado como o grande autor que é. Estou bem acompanhado.

PRESSÃO - Agora começa a haver pressão para romper esse tipo de barreira. Mas como há muita gente excluída, inclusive pessoas que são adotados por algum tempo na mídia e depois esquecidas, o embrulho está feito. Todos se arvoram a lutar contra a exclusão. É um angu de caroço e não vou meter a mão de novo. Tentei, não deu certo. Vi que o fórum (por e-mail) criado para o movimento escancarava espaço para quem nada tinha a ver. Ataques frontais me fizeram desistir. Faço 58 anos no próximo outubro. Preciso me cuidar. Só aceito de maravilhoso para cima. É assim que vai ser. Não há debate? Então só vale elogio. Quem bater, leva.

LOST - Fui premiado com uma boa citação na mídia impressa graças ao escritor e jornalista Rodrigo Schwarz. O tema é Lost, que abordei aqui. Quanto mais, melhor, me disse Rodrigo, e enviei um livro. Felizmente, o amigo soube editar o catatau e nos brindou com um bom parágrafo no prestigiado caderno Anexo, do Jornal A Notícia, de Joinville, que reportou o lançamento da caixa de cds da série. Reproduzo aqui o texto de Rodrigo,agradecendo a lembrança:
"Para uma legião de fãs, a série Lost representa uma ilha de qualidade dentro das programações da tevê a cabo e aberta. Em Florianópolis, o seriado conquistou um expectador exigente. Escritor que já foi saudado por Mário Quintana como um dos cinco melhores poetas brasileiros e que conseguiu resgatar RaduaNassar de seu exílio para escrever o prefácio de um de seus livros, Nei Duclós enxerga Lost como uma alegoria da América. 'Cada personagem é um outsider: a ex-presidiária, o golpista, o filho de pai alcoólatra, o filho de pai separado, a mãe solteira, o guitarrista fracassado, o caçador burocrata, o ex-soldado iraquiano. O grupo é feito do que há de mais diverso na América: negros, asiáticos, hispânicos, caucasianos, segundo a definição deles de povo. Todos precisam abrir mão de sua identidade em nome de algo maior, a sobrevivência. Isso se chama Estados Unidos', diz Duclós.
Segundo o autor de Universo Baldio, o fato de a ilha fornecer recursos básicos, como alimentação e água, faz como que os personagens mantenham sua aparência civilizada (diferente de O Náufrago, estrelado por Tom Hanks). 'Essa é uma ajuda da produção, famosa nos filmes americanos, desde a época em que as estrelas cruzavam o deserto sem perder o prumo do penteado. É uma obrigação: o cidadão americano jamais pode deixar de aparentar o que é. Ele vive numa civilização de aparências, de representações', assinala. Duclós elogia a qualidade do roteiro de Lost, em especial, o uso bem calculado dos flashbacks. 'A tática traz para o centro do drama outro aspecto de grande importância na cultura audiovisual americana, que é o da segunda chance. Ou seja, lembrar o que levou o personagem a embarcar na viagem fatídica é sempre a maneira de mostrar o quanto ele está em dívida consigo mesmo e os outros. Não é de espantar que o avião tenha caído: cada um levava uma carga pesada nos ombros'". (Rodrigo Schwarz)


RETORNO - A) Dois reparos: 1. Quintana me saudou como um dos quatro (e não cinco) melhores poetas do Rio Grande do Sul (e não brasileiros), junto com Carlos Nejar, Walmyr Ayala e Armindo Trevisan. Sua declaração foi publicada no Caderno de Sábado do Correio do povo, da Caldas Junior. 2. Raduan Nassar não fez o prefácio do meu livro, apenas escreveu um parágrafo sobre ele que coloquei na contra capa, com a licença concedida pelo número 1 do Brasil (que se retirou cedo do mundo literário).B) A imagem deste post é uma foto de Anderson Petroceli, Cruzando os campos, tirada da janela do trem.

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