11 de junho de 2006

E SE OS DESGARRADOS REAGIREM?





Como estava seco para ver filmes feitos neste século, não impus limites para o Festival de Cinema Contemporâneo do Diário da Fonte. A sede jamais satisfeita procura não encarar cada sessão como perda de tempo, mesmo que a obra não esteja à altura das expectativas. Como é o caso de Les égarés (2003), de André Téchiné, com Emmanuelle Béart (Odile), Gaspard Ulliel (Yvan), Grégoire Leprince-Ringuet (Philippe) e Clémence Meyer (Cathy). O dicionário Le Petit Robert informa que égaré é aquele que perdeu seu caminho e também sua saúde mental. Uma viúva e filhos (um casal de adolescentes), vítimas da invasão alemã na segunda guerra, saem da estrada e ocupam uma casa, onde convivem com um refugiado de reformatório. É mais um filme sobre o massacre das populações desarmadas. Vimos recentemente como São Paulo reagiu à matança generalizada: todos se recolheram às suas casas e deixaram o caminho livre para os criminosos. Na atual conjuntura, não haveria outra coisa a fazer. Mas, tem gente que imagina outra coisa: e se os desgarrados, os inermes, as vítimas mudassem de postura e se transformassem em exércitos? O que seriam dos assassinos, dos invasores, dos ditadores, dos bandidos? Qual seria a estratégia para implantar uma nova postura em toda a população, sem restrição de sexo, idade, situação social?

ETERNOS - O exemplo do Vietnã, lembram os que se dedicam a esse assunto, em que todos se engajaram na luta contra a invasão sucessiva de exércitos das potências, é o mais próximo exemplo. Mas estamos em outra situação. Hoje as populações são misturadas, há de tudo num bairro, numa cidade, numa nação. Não se trataria de unir guetos organizados étnicos ou sociais, mas fazer de cada família, cada indivíduo, cada rua, um foco de resistência e contra-ataque. Seria o fim da meia dúzia de bandidos que dominam uma favela e agora bairros inteiros de classe média. Como isso poderia ser feito sem armas, sem identificação entre vizinhos? Como fazer com que cada um se convencesse que morrerá se não reagir, e que também poderá morrer se reagir, mas se a última opção for a escolhida, haverá uma chance, pelo menos para quem sobreviver. Pois há exaustão de gente sendo jogada de um lado para outro como se fosse gado. Na hora em que o fugitivo voltar-se contra o perseguidor, seja em que situação for, haverá uma reversão do quadro atual. Para isso, deve se estar pronto para morrer, dizem as fontes envolvidas com o problema. Quem está? Ninguém. Todos nós somos eternos. Por isso morremos como moscas, em cada esquina do mundo aniquilado. Não sei se concordo com tuda essa análise.

BARBÁRIE - No Iraque, dirão, o povo está contra o invasor e morre a toda hora, em massa, sob a mira das armas dos que foram lá, digamos, implantar a democracia. Não é um bom exemplo. A massa sempre está ou na mão de quem vem para agredir, ou de quem está dentro da comunidade e decide ser o valentão ou o coberto de razão. Uma nova postura deveria ser romper com esse circulo vicioso e aniquilar todo tipo de tirania de grupos organizados. Para isso, a população inteira estaria disposta a lutar, em cada palmo do território conflagrado. O planeta pegou fogo, há exploração demais e estamos numa situação sem volta. A revolta contra a miséria foi usada para manter a situação. Os falsos líderes tomaram conta de parte do butim e querem se perpetuar como dinastias. Como poderão ser derrotados, se até o sistema de eleição está enquadrado nos mesmos de sempre, que são eleitos sempre da mesma forma? Ou seja, há vários tipos de matanças, massacres e invasões e as populações são impotentes diante de tanta malandragem e barbárie. Será que os fatos da História acontecem em vão? Nada aprendemos nunca? É o que muita gente se pergunta.

AÇÃO - O que identificaria um exército de todos? Quais seriam os sintomas de sua sintonia? Como agiriam? Como evitar mais injustiça na nova mobilização? Num mundo em que os vizinhos se odeiam e se roubam mutuamente, em que contingentes inteiros estão comprometidos com o voto de cabresto, como definir uma nova ação? Esse seria o desafio dos novos guerreiros, os que deixariam de lado seus afazeres diários para comandar, pelo menos dentro de si, uma reação em massa contra os espertalhões que nos exploram. Sem socialismo, sem anarquismo, capitalismo ou que sei eu mais. Mas com pontos em comum: honestidade, necessidade de proteção e sobrevivência, busca de uma vida digna. Ghandi pregou algo semelhante, mas com a não-violência. Parece que chegou a hora de outro tipo de reação. Resistir e ficar? Bater de volta? Somente proteger-se? Pensar em situações limite antes que a coisa exploda? Confiar nas instituições ? (o que seria mais plausível, não fosse a desconfiança generalizada, foco de mais desequilíbrio). Ou simplesmente deixar para lá e ver mais filmes? É o que tenho feito. Deus nos proteja.

TEMA - Vi massacres em O Jardineiro Fiel, Hotel Ruanda, O Pianista, Os últimos dias de Hitler, Os desgarrados, In my counbtry. Esse parece ser o tema do cinema deste início de século. Já batizei de cinema de extermínio. Assunto espinhento, não? Estarei vendo filmes demais? Onde estão as comédias românticas? Estão em Woody Allen: Melinda & Melinda, outra boa produção que nosso Festival programou para ontem e que foi recebido com restrições pela seleta platéia. Eu gostei. Serviu para desviar a atenção desse tipo de especulação que pode virar pesadelo.

COPA - Ok, uma concessão à TV aberta. Gostei da Argentina, que pinta como possível campeã, ocupando o segundo lugar da nossa preferência, atrás apenas do Brasil. A Argentina parece ter a síntese dos vencedores da Copa: segurança, equilíbrio e alguns grandes craques. Não se deixou abalar pelo bom time da Costa do Marfim. Segurou a ansiedade e se impôs. Vejo os africanos sempre com muita sede ao pote. Quiseram queimar etapas para despontar como grandes conquistadores. Ainda há muito chão pela frente. Talvez a Africa produza um campeão antes do que imagino, mas parece que esta Copa tem a Argentina como uma boa possibilidade. Já falei mal do futebol argentino aqui. Mas não há como negar o talento, a tradição e a garra. Esta seleção, com um técnico tricampeão do mundo na categoria sub-20, poderá fazer a alegria dos nossos vizinhos. Se não conquistarmos o hexa (se por uma tragédia não chegarmos à final e vencermos), deveremos aplaudir los hermanos. A Argentina está merecendo, depois de 20 anos de jejum.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: fuga em "Les égarés". 2. Parabéns para a escritora Vera Ione, que foi designada Membro Correspondente para o Brasil do Instituto Literario Y Cultural Hispanico, durante o II Encuentro Literario Internacional del Mercosul. 3. Pergunta para Miguel Ramos: não encontro os filmes do Rio Grande do Sul aqui nas locadoras - onde e como conseguir? Quero ver Cerro do Jarau, Concerto Campestre e muitos outros.

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