23 de junho de 2006

SINISTRUS JOE E AS SURPRESAS DE PARREIRA





Não gosto de estatísticas, elas me assustam. Dizem que são criados uns 70 mil blogs por dia ou por mês, ou algo assim. Que existem não sei quantos milhões de sites, que a miséria aumenta apesar de os 50 países mais pobres terem melhorado de vida e que as pesquisas apontam a vitória do primeiro turno, bem, vocês sabem de quem. Os números nos cercam e mordem os calcanhares. Como acompanhar a proliferação dos conteúdos disponíveis na grande rede? Muito difícil. Mas tudo que assusta não passa de um tigre de papel, para usar a velha metáfora de Mao sobre o imperialismo. Nas redes do monopólio de TV, a internet é tratada como coadjuvante ou vilã (jamais acesso os endereços que eles falam com uma batata na boca, o tal dábliu dábliu dábliu). Na grande imprensa impressa, os blogs diretamente ligados às redações pecam ou por falta de atualizaçãp adequada ou por estarem limitados pelos hábitos cevados em 42 anos de ditadura. Blog é queimar navios e não olhar para trás, para não virar estátua de sal. Além disso, um espaço na internet só se consolida ao longo dos anos. É complicado firmar o hábito de visita e leitura com tantas opções. O importante é você ser mídia, ou seja, tudo o que você sente, sonha, pensa, cria precisa estar no blog. Isso dá credibilidade e fisga o leitor. O bom do blog, para quem é jornalista, é que o lead pode tranqüilamente ficar no pé do texto. É o que acontece na edição de hoje, que tem jogo do Japão só mais embaixo.

PATETAS - O maior perigo dos blogs é o pensamento único. Todos vivem na mesma situação e pensam da mesma forma. Ser original no meio de tanta manifestação é mosca branca. Por isso decidi visitar novamente Sinistrus Joe, que tem acompanhado a Copa do Mundo num bar perto de onde mora. É mais uma birosca, que fica a meio caminho das dunas que escondem seu casebre ao lado de um grande menir de pedra, numa praia escondida aqui na Ilha. Quando ele me vê se aproximando, finge que se afasta. Sinistrus adora ser esnobe.
- E aí, Joe, a Seleção deslanchou no jogo contra o Japão?
- Estou preocupado com a geração dos patetas, respondeu ele.
- Quem são os patetas, os torcedores?
- Não, a nova geração. Ando às vezes de ônibus e não agüento a meninada falando como se tivesse perdido a noção da língua do país.
- Isso é gíria, coisa antiga.
- Não é não. Gíria é uma concessão da língua culta. O que eles falam é pior do que um patuá, são as ruínas do que um dia foi linguagem. É como se a língua nacional tivesse entrado em processo de implosão interna.
Achei estranha aquela maneira pomposa de Joe se manifestar. Parecia consultor de empresa.
- Estás lendo auto-ajuda de negócios, cara?
Ele me olhou de viés, quase rosnando. Odeia que o chamem de cara, ou se dirijam a ele dizendo "meu caro".
- A geração dos patetas engata uma longa narrativa costurando as frases com a expressão e aí. Falam assim: fulano foi para lá e aííí voltou para cá e aííí eu cheguei e perguntei e aííí nós fomos até o lugar aquele e aííí..

FENÔMENO - Ele continuaria por horas no seu exemplo, mas eu o interrompi:
- E a seleção, Joe, gostou?
- A imprensa e os torcedores são todos profetas do passado. O futebol não cabe numa cabeça que tenha dois olhos para ver e nenhum para enxergar. Sempre me surpreendo com o Parreira. Cansei de duvidar dele. Até parece um sonho que eu tive.
- Que sonho, Joe?
- Eu estava dentro do ônibus e de repente todos os bancos foram amassados e só eu sobrevivi. Não era eu que tinha morrido, era o mundo que tinha acabado. Saí para a rua e os edifícios eram engolidos, só eu passeava nas ruas. Os carros explodiram e sumiram no ar, só eu andava por aí. Parreira a mesma coisa.
- Não entendi.
- Claro, eu ainda não expliquei...
Desta vez ele rosnou mesmo.
- Se eu puder chegar ao fim da minha metáfora, agradeço. Parreira detonou todo o entorno do Ronaldo, manteve só o Fenômeno. Fez o contrário do que todo mundo dizia. Insistiam em tirar o Ronaldo, como se fosse o remédio para todos os males. Pois Parreira manteve o craque e substituiu os outros. E aííí o Ronaldo fez dois gols e poderia ter feito mais.
Concordei. Sempre gosto de ouvir Sinistrus Joe, o cara da minha geração que ficou na ilha, foi escritor, jornalista, artesão, fotógrafo e hoje vive num puxado de madeira tosca grudado numa pedra. Tem cabelo raspado, veste-se de preto e dorme nos saguões das galerias e edifícios de luxo. Todos os conhecem e o toleram. Mas só eu peço que emita suas opiniões.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: um rosto brasileiro, por Marcelo Min, o Olhar Absoluto. 2. Ainda sobre blogs: o blog Outubro, conforme dizem os arquivos, foi criado a 30 de setembro de 2002 e o Diário da Fonte, dentro do blog, a 8 de setembro de 2003.

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