19 de julho de 2006

O PETRÓLEO SEGUNDO A CIA





Não há judeus em Syriana, o filme de Stephen Gagham, o mesmo diretor de Traffic. Só árabes, persas, palestinos e muitos americanos. Onde foram os judeus? Mistério. Ao mesmo tempo, sobram justificativas. Por exemplo: a CIA viu escapar seu poder para os políticos, que trabalham para a corrupção e os negócios, e isso detonou a situação no Oriente Médio. Outro: um consultor (Matt Damon) catequiza um emir para que crie infra-estrutura no seu país e não fique gastando 50 mil dólares por noite em hotéis. Será que tem lugar para os bons propósitos no jogo bruto? O filme mostra que não. Mas coloca o jovem americaninho loiro falando coisas politicamente corretas, numa cena inverossímel. O roteiro é baseado num livro de denúncia de um ex-agente da CIA, Robert Baer, interpretado por George Clooney. No making off, mais explicações: somos a favor da América, dizem os entrevistados (diretor e atores), mas precisamos saber o papel que desempenhamos nessa indústria que garante nossa paixão pelos automóveis. É o círculo de giz da América: eles são prisioneiros do Império, mesmo quando tentam revelar seus mecanismos por meio da arte.

BASTIDORES - É como se o 11 de setembro tivesse arrochado o cinema americano num novo macartismo. Todos fazem filmes comerciais e sofrem com isso, pois são pessoas bem informadas (pelo menos uma parcela esclarecida). Basta haver um roteiro que tente escapar do cerco para que todos chovam nele. Foi o caso de Syriana, que atraiu várias estrelas, como Clooney, Damon, Christopher Plummer (até o William Hurt faz uma ponta). É um filme complicado, muitas vezes confuso, mas sério, apesar de seus erros. Mostra os bastidores das negociatas e do poder que decide sobre povos e nações. Explica como se procura dominar o mercado por meio de fusões, espionagem, corrupção, assassinatos, torturas, mentiras. Não há inocentes e a ação se desdobra numa seqüência de faixas paralelas, onde, dizem os integrantes do trabalho, o roteiro é o grande protagonista. Também mostra como se cultiva o terrorismo no Oriente Médio. Apresenta os meninos convocados pelo fundamentalismo para virarem homens bomba. Fiquei em dúvida. Vi, sobre a formação dos homens bomba, filme mais eficiente, como é o caso de Paradise Now, dirigido por Hany Abu-Assad. Aliás, acho todo o episódio, em Syriana, dos amigos que acabam praticando um ato terrorista muito parecido com esse filme de Abu-Assad.

UMBIGO - O objetivo do filme é demonstrar que o petróleo está acabando e que ainda nada foi feito para resolver esse impasse (ou isso só foi um álibi da equipe, que fez um filme denúncia e ficou disseminando evasivas para que não houvesse interferência?). Aparentemente, a preocupação é com o futuro da América (como vou abastecer meu carro? Os pobres irão me alcançar!). Procura fugir da visão de direita, mas cai no lugar comum de se formatar para a percepção viciada dos cidadãos dos países ricos. Não existem outros países, disse uma vez um personagem de Angeli numa tira de quadrinhos. É verdade. Para os americanos, só há aquele mundinho que domina o planeta. Eles não conseguem conceber como poder haver culturas diferentes. Tudo precisa ser reportado ao próprio umbigo. No fundo, o império americano é fruto da necessidade atávica de acabarem com esse pesadelo, a diversidade, o mundo dos outros.

OSCAR - Acho que eles não tocam nos judeus porque senão o filme não se viabilizaria. A indústria de massa do cinema foi criada pelos judeus, que encontraram na Califórnia o lugar ideal para isso. Steven Spielberg só foi aceito na Academia, ganhou seu primeiro Oscar, quando fez a Lista de Schindler. Polanski não pode entrar nos Estados Unidos (fez sexo com uma menor, que hoje é maior) e seu Pianista talvez tenha sido uma tentativa de conseguir um passaporte. Israel é produto não apenas do velho sonho judeu de ter uma pátria, mas do dinheiro dos judeus americanos ricos. Nunca vi filme americano criticando judeu. Agora, sobre a Igreja Católica sobra. O catolicismo é vilão no cinema americano. Não podemos comentar nada disso senão nos acusam de não sei o quê.

CONTRADIÇÃO - Não quero ser acusado de nada. Meus escritores favoritos são, em sua maioria, judeus, de Marx a Kafka. Mas uma coisa nada tem a ver com a outra. Acho Syriana um filme forte, importante, mas me enchi de perguntas quando comecei a escrever sobre ele. As perguntas se sobrepõem à minha impressão inicial, em que gostei de ter assistido. Mas fica essa contradição: Syriana convence como cinema, mas não esconde os problemas que carrega consigo quando aborda o tema explosivo que hoje gera milhares de refugiados do Líbano. Tudo gira em torno do petróleo, diz Syriana. E só mesmo os americanos para contar esse história direito. Eles são os principais envolvidos.

RETORNO - Imagem de hoje: George Clooney, cada vez mais importante no cinema contemporâneo, em cena de Syriana. O grande assunto na internet não é sua performance, magnífica, contida e explosiva ao mesmo tempo, mas o fato de ele ter engordado para fazer o papel. Puxa, ganhou 13 quilos, que coisa. Muita gente realmente não consegue ficar atenta ao que realmente importa.

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