24 de agosto de 2006

O QUE DIZ A CARTA TESTAMENTO





O mais asqueroso da atual ditadura, é que possibilita aos candidatos mentirem sobre suas convicções. O nome de Getúlio, por exemplo, anda na boca de quase todos. Até o Cristóvão Buarque, que sempre foi petista e de repente volteou-se para o PDT, diz que a carta testamento de Getúlio é uma bússola. Onde estava ele quando caluniavam o grande presidente? Exatamente no miolo do fruto maior dessa calúnia, o PT, que foi inventado para se apropriar da herança getulista. Para isso contou, o PT, com a ajuda da ditadura, que deixou para o trabalhismo apenas migalhas, lhe roubando a sigla histórica e arruinando-o na mais perversa e longa campanha de difamação da História do Brasil. Mas como hoje é 24 de agosto, data do suicídio de Vargas, vamos comentar um pouco a Carta testamento. O texto é perfeito, é uma aula de como deve ser um texto.

"Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes".

O que diz Getúlio? Que era apenas um álibi todo o circo sobre o assassinato do Major Vaz (que segundo a principal testemunha, num depoimento para o Fantástico, foi de autoria do próprio Lacerda, que ao dar-se conta da besteira, deu um tiro no pé para livrar a cara). Não importava Vaz, Fortunato, Bejo. O que importava era atingir o presidente. E foi o que fizeram. Foi nesse episódio que a direita conseguiu convencer parte das Forças Armadas, que ficaram indignadas com o atentado contra Vaz, segurança de Lacerda na época.

"Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo".

Em cinco frases, Getulio resume a vitoriosa revolução de 1930, as leis do trabalho como antídoto à espoliação internacional, o golpe de 1945 que o tirou do poder e a eleição em 1950 pelo voto direto. São vinte anos de História, sob a ótica de seu principal protagonista, num só parágrafo. Para quem diz nada saber sobre esses acontecimentos, deveria seguir esse roteiro para aprender alguma coisa sobre o Brasil Soberano, o país inventado por Getúlio e destruído pela ditadura de 1964, que nada mais é do que a restauração da República Velha, o regime que foi derrotado em 30.

"A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre".

A criação das estatais como patrimônio do povo, que foi totalmente corrompido pela ditadura para depois ser entregue à sanha internacional pelo traidor FHC, aqui é colocada como fator de libertação. Ou seja, nada da imagem que foi formatada a partir de 64, de sistemas inchados e cabides de empregos. O mais terrível é que a Petrobrás, por exemplo, foi vendida em sua maior parte para o estrangeiro e todos fingem que ainda é a Petrobrás da origem, brasileira, nacional, soberana. A geração de energia, nicho estratégico, também acabou sendo partilhada pelos grandes grupos.

"Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder".

Ceder? Mas Getúlio não era o ditador infame que todos acusam? Como poderia ceder? Ah, se cedeu então é porque era falso, populista. É o que dizem dele. Não lembram que Getúlio trabalhava com as forças democráticas e quando interveio foi para se contrapor à extrema direita, como foi o caso do Estado Novo, que impediu que o Brasil se aliasse ao nazi-fascismo. Mas isso não dizem dele. Só vêem o pior. Uma coisa importante desse parágrafo é que a inflação destruía os valores do trabalho. Era uma pressão originada pelo status de colônia financeira e econômica do Brasil, situação que no final se consolidou a partir da troupe que assumiu as Finanças da ditadura, Bob Fields et caterva.

"Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida".

Getúlio unge o mito que o sucederá, por meio do sacrifício pessoal, o que o remete ao heroísmo clássico. Não estava brincando. Cumpriu a palavra.

"scolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão".

Esta é uma oração cívica do mais alto nível. Precisa ser dita em voz alta para entendermos toda a sua força e permanência. O mito é indestrutível. Servirá para se contrapor às armadilhas ideológicas da História, que, pelo menos no Brasil, é fonte de falsos mitos.

"Aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História".

Essa última frase é sem dúvida a mais célebre frase da história brasileira. Getulio saiu da vida vitorioso, consolidou o mito que sobreviveria a ele e enfrentou a morte com serenidade, sem medo. Ódio, infâmias e calúnias, que continuam até hoje, não abatem sua presença, cada vez mais requisitada, especialmente pelos seus inimigos, que jogam assim a última carta para tentar readquirir a confiança do povo.

Mas não conseguem nada. Conseguiram destruir o país. Bando de abutres. Levaram o país embora e nos deixaram as ruínas. Mas temos esta carta. Temos Getúlio. Viva o presidente Getúlio Vargas. Longa vida à sua herança. E que seja eliminada da boca dos chacais.

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