13 de dezembro de 2006



FAZER ESPERAR

O chá de cadeira é uma herança da escravidão. Assim como dar ré (ir contra o fluxo do trânsito, sem olhar a quem, a toda velocidade) é poder, fazer esperar é a mesma coisa. Exemplos sobram. A fila do pão aumenta, mas a atendente está ocupada com um gordinho na lanchonete. O gordinho quer determinado pedaço de bolo. Negocia peso, preço, sabor, validade etc. A fila vai engrossando. A atendente acha que se livrou dele, quando é chamada de volta. O sujeito quer mais alguma coisa. Nos terminais de ônibus, enquanto a fila aumenta, dúzias de motoristas gargalham entre si. Se divertem com a situação. Estão fazendo esperar. Estão cumprindo suas oito horas.

TRELA - Se as pessoas estão exaustas e lotam as filas, não importa. Em repartições públicas, é preciso mais do que paciência. Além de te fazerem esperar, você atura o ar arrogante de quem está com a vida garantida. Nos bancos, caixas adoram dar trela para boys que levam toneladas de coisas para protocolar, pagar, carimbar. Eles acham muito engraçado, enquanto o resto desmaia na fila. Por que fazem isso? Porque podem. Porque deve ser gostoso. Por que assim todos ficam prestando atenção neles.

REPASSE - Lembro a fúria do Mino Carta quando ligavam para ele e o faziam esperar. Ou seja, o cara pede para a secretária ligar para o diretor de redação, o jornalista atende e fica dependurado, pois a moça diz: um minutinho por favor que doutor fulano vai falar. Mino batia o telefone na cara, o que fazia muito bem. Quer ligar? Liga, cacete, não repassa esse encargo para os outros. É hábito repassar encargos para quem quer que seja. Tu, que é escritor, faz essas cinco linhas, não custa nada para ti que tem facilidade de escrever. Quem tem facilidade de escrever é locutor, já dizia Chico Buarque em depoimento para Humberto Werneck, que me contou a história. Escritor chora diante do papel em branco. Fica difícil escrever de uma forma que parece ter sido feito sem nenhum esforço. Como a leitura escorre sem dificuldades (esse era o objetivo) então as pessoas acham que tudo saiu assim no bate pronto, no mijo, como dizem. Vai sentar em frente à tela em branco para ver se sai petróleo.

TREINO - Trabalhar na internet implica novos conhecimentos, um treinamento intenso. Se isso não for feito, você vira o chefe que pede para os outros realizarem as tarefas mais automáticas da rede. Por mais que os manuais empresariais sapateiem contra isso, esse tipo de comportamento continua em vigor. Não saber procurar no Google, por exemplo, é mais comum do que se imagina. Puxa, você anda sumido. É verdade, existem 23.600 ocorrências minhas no Google, basta teclar meu nome entre aspas. Com a internet, ninguém mais está sumido, nenhum escritor deveria ter gaveta, acabou o jornalista bem informado, já que todo mundo está bem informado, é só querer, chegou ao fim a agenda exclusiva, já que qualquer número de telefone pode ser achado nas buscas. Acabou a frescura, tudo é muito prático e rápido. Num mundo desses, somos trogloditas fazendo uns esperar os outros. Quer? Então senta aí que depois te atendo.

MOSCAS - As pessoas imitam os animais. São moscas voejando ao teu redor. O sacolão está vazio, mas está a criatura atrás de ti, disputando frutas e legumes e depois ainda te empata na caixa. Tem outra caixa, por que não vai lá? Não, a pessoa quer ficar ali, me esperando, impaciente. Estou fazendo esperar, sem querer. Gostaria até de mudar de caixa para dar-lhe lugar, mas é tarde demais. Já estão pesando o que escolhi. Me atrapalho na hora do troco. Saio em desabalada carreira, com a pessoa atrás, te pisando os calcanhares. Como resolver isso? Todo mundo amontoado, se atrapalhando uns aos outros. O planeta é gogantesco, o mundo não é pequeno como gostam de dizer os globófilos. Tem espaço para caramba. Vão se roçar numa tuna.

RETORNO - Imagem de hoje: Istambul, por Cartier Bresson, o número 1.

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