30 de janeiro de 2007

O MUNDO É SURDO



Você começa o fim de semana acordando com som lá no alto. Sempre é um som de merda. O sujeito vai lavar a lataria, pintar o madeirame, fazer qualquer coisa que os afaste de algum pensamento e lá está o baticum, o pagodoso, o sertanojo. Como o Brasil gerou inutilidades, tanto por parte de quem grava, como de quem compra. Não há um acorde, um piano, nada. É a barulheira infernal. Aí você foge de casa, pois nunca se sabe o que vai encontrar pela frente quando vai dizer alguma coisa (e também não adiantaria, pois são surdos, a prova é o som que colocam a toda) . Quando volta, o cara já cansou de atordoar a vizinhança. Mas o Mal migra de uma criatura a outra. Outro sujeito liga a serra elétrica. O barulho da primeira revolução industrial é a verdadeira vida espiritual dos surdos. Eles precisam do barulho dos motores como a alma precisa de reza. Eles se alimentam do rasgar de ferros. Há também os que martelam, ou batem duramente no chão, o que faz tremer toda a rua. Nos intervalos, ou junto com a sonzeira, eles falam aos gritos. Claro, são surdos.


Saio um pouquinho do bairro e cruzo com carros desses que foram feitos para o campo e são utilitários. Possuem uma carroceria, que para nada serve. Dentro deles há um som de arrasar quarteirão. Ninguém fala nada, nenhuma autoridade vai em cima. É o desplante total. No Brasil, todo mundo pode matar pelo menos uma pessoa. Está protegido por lei. É réu primário. Também pode infernizar o ambiente com som alto, que ninguém vai dar umas chapuletadas na fuça do meliante. Por que eles podem? Porque sim. Você agüenta calado. Se reagir, será chamado de reclamão. Também estará diante da sólida argumentação da lógica do Brasil: mas ninguém até agora recramou, dizem. Certo, por que haveria eu agora de recramar?


Tom Jobim é superhomenageado. É importante homenagear, mas sinto que colocam a bossa, Tom, Vinicius e tudo o que temos de bom em departamentos estanques, em programas especiais de comemorações. Deveria haver todo o dia o tempo todo. Deveria ser tão difundido quanto o resto. Deveria haver uma intervenção contra a idiotice na radiofusão. Não se pode deixar para os energúmenos uma coisa tão importante quanto o que vamos escutar diariamente. Você liga o rádio e só tem sandices. Existe a opção de você baixar a versão pirata de qualquer música. Mas queremos o mundo oficial, rádio e TV estatal ou privada sem a sacanagem das atrocidades.


Mas é disso o que o povo gosta, dizem. Claro, tiraram a música do colégio, a população virou analfabeta musical e querem que escute música? Dê-lhe merda. É preciso atordoar o pensamento, senão vamos esquecer que 600 mil pessoas morreram assassinadas entre 1980 e 2000, segundo o IBGE. Tínhamos estatísticas de Vietnã, agora temos de II Guerra Mundial. Normal. Para isso foi feita a ditadura. Quando chegam as festas, os palhaços enchem teu quintal de fogos. Estão curtindo, celebrando. Olho para eles. Possuem o rosto impassível dos imbecis. Soltam o foguete na cara das pessoas (como acontece nas praias) e dali a pouco acendem outro. É assim que se comemora o ano novo, aniversário, qualquer coisa.


O Brasil continua fazendo música boa, só que esta não tem chance. A brutalidade tomou conta de todas as mídias. Ligam o som e tudo parece a mesma coisa. Não há um acorde, uma harmonia. Qual a saída? Acabar com a ditadura.


RETORNO - Imagem de hoje: Rio, a eterna capital da República. Quando Brasil tinha música.

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