2 de janeiro de 2007

TUDO, MENOS A RESPONSABILIDADE





Se os facínoras dão ordens de dentro da cadeia, tutelada pelo Estado, para que tasquem fogo em crianças e idosos, isso é responsabilidade sua, cidadão brasileiro. É a sociedade que acumulou esse tipo de problema e agora explode na nossa cara, pois fomos incapazes de nos opor a isso. Não vá culpar as autoridades do governo estadual, federal ou municipal. No meu governo, no meu país, nos meus ministros, tudo isso é meu, menos a responsabilidade. Eu agradeço a Deus por ter ascendido socialmente, da miséria para o Palácio. Vocês foram os intermediários desse salto para o acesso a toda a riqueza da nação.

Por isso tomo posse, com tudo a que tenho de direito. Eu me aposso do país que vocês me entregaram graças a essa democracia que a luta do povo consolidou. Porque isso é democracia: nunca antes nesse país teve uma criatura como eu, inventada pela incompetência histórica da esquerda brasileira, e que é fruto do ressentimento de classe social. É por isso que, no lugar da classe média e seus horrores, decidimos fazer ascender uma parte dos miseráveis para todos os vícios da classe média. Pena que minha posse seja numa segunda-feira.

Se fosse numa sexta, aí sim íamos festejar. Todos os marombados saradões iriam berrar bêbados em carrocerias de utilitários do campo só usados em cidade; todos os imbecis ágrafos iriam jogar bomba nos vizinhos; todos os surdos cafajestes iriam tocar sertanejo bem alto para que o sistema solar inteira ouça esse berreiro. Aí sim seria o bicho. Vestidos de branco para celebrar o ano novo, estouraríamos champagnes e cidras em areias lotadas à beira de mares poluídos; iríamos oferecer beldades pobres a celebridades milionárias e ainda difundiríamos isso como o charme e o veneno da mulher brasileira. Ou seja, seria uma beleza só.

Agora que entro no meu segundo mandato, e que vou tirar dez dias férias, podem dizer para todos: deixem o Homem trabalhar e, pela lógica, deixem a mulher lavar louça e pilotar fogão. Eu, com minha primeira dama italiana e meus filhos italianos. O José Alencar, esse portento que passou quatro anos reclamando da política econômica e que agora está aqui acenando para ninguém. Todos juntos, para frente Brasil. Para isso Deus existe: para me manter neste cargo onde continuarei usufruindo tudo o que a divina providência me reservou.

E se existe mortandade e falta de paz no país, se as estradas estão rebentadas e nelas milhões de indivíduos se suicidam em todos os feriadões, se acabo de decretar a privatização da Amazônia, se continuarei com minhas bolsas esmolas para manter a miséria sobre o meu controle neste meu país, e se assim mesmo continuarei sendo apoiado pelos que se acham lúcidos, então locupletem-se. Vocês são culpados, torcida brasileira. Eu estou na minha. Viram como foi difícil chegar até o palanque? Viram quanta gravata e terno e risos, risos, risos? São os detentores do butim. Nós mandamos no país. Nós, não vocês.

RETORNO - Imagem de hoje: Ravi Ramos Lacerda em Abril Despedaçado, de Walter Salles.

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