17 de abril de 2007

COMO CONSEGUIR EMPREGO




Depois de quase quatro décadas de redação, você fatalmente já ocupou cargos que te permitiram selecionar pessoas para preencher as escassas vagas da antiga profissão de repórter. Já passei por várias fases, como a dos estagiários, agora recebo os recém formados. Alguns veteranos também chegam ao redor, mas o espaço e a remuneração são limitados. Como acumulei alguma experiência em decidir quem deveria entrar, vou apresentar algumas sugestões para quem quiser se escalar para uma função dessas. São coisas óbvias, mas como não são levadas em consideração, resolvi abrir o jogo. Aqui vai um pequeno apanhado filosófico sobre atitudes e comportamentos diante da pessoa que poderá encaminhá-lo para um emprego.

1. Jamais sugira que você está a fim do cargo do entrevistador. Mesmo que seja esse seu objetivo, finja. Faça de conta que você se submete ao perfil do cargo. Não diga: posso também editar junto com você. Pega mal.

2. Converse sem impor suas falas. Não interrompa o entrevistador com expressões como “com certeza” ou aquele hã-hãm espichado e cantado que virou moda e que significa indiferença e falsidade em relação ao interlocutor.

3. Não se acomode na cadeira como se fosse dormir nela ou como se você tivesse todo o direito de se esparramar enquanto conta sua vida. No tempo em que havia cadeiras duras, filas para entrar e sair, orações no início e fim das aulas, as pessoas eram orientadas para a ascese, a compostura. Hoje são orientadas para o lazer, o lúdico. Esqueça essa formação e ajoelhe no milho na véspera da entrevista.

4. Não faça diagnóstico, nem oral nem escrito, sobre o veículo onde você pretende trabalhar. Não precisa elogiar descaradamente, pois sabemos que todo mundo acha tudo uma bosta. Mas também não precisa riscar as páginas impressas como se você fosse o mestre supremo do jornalismo.

5. Se você sua ou não embaixo do braço, jamais boceje e levante os cotovelos durante a entrevista. Fatalmente o sovaco úmido vai chegar até a cara do entrevistador, que, te garanto, encerra a entrevista no mesmo minuto.

6. Ao marcar a entrevista, não faça cobranças. “Mas eu te enviei o currículo ontem, ainda não viste?”, por exemplo. Não faça isso. Seja gentil. Contrarie sua natureza bruta. Não dê bandeira sobre seu desprezo ao seu ex-futuro colega de trabalho.

7. Se você está começando na profissão, não apareça com um currículo com mais de duas páginas. Falei uma vez que gente nova não tem currículo, o que causou profundo sentimento de ofensa em quem escutou. Ei, eu estava brincando! Ou melhor, dizendo que temos dois momentos na vida: um, em que não temos currículo; e outro, em que temos tanto currículo, que parece até mentira.

8. Todo entrevistador acima dos 40 anos é um conferencista. Tenha paciência, escute. Depois que conseguir a vaga, pode ignorá-la. Mas a entrevista é uma das poucas chances que ele tem de desenvolver uma palestra. Exerça a caridade.

9. A tendência é aproveitar quem foi indicado, mas costumo abrir oportunidades para quem chega só com a cara e a coragem. Nunca desista. Não ache que você não conseguirá nem ser recebido. Tem editor que é diferente. São raros, mas existem.

10. Se o cara for realmente aberto, e não um fingidor, não o teste, não faça provas, não o coloque contra a parede para ele provar que é mesmo legal. Não o force a agir contra a sua natureza. Se fizer isso, você irá para a danação eterna. Isso é maldade. E também tem o retorno: a pessoa se vinga e acaba se comportando bem como você quer. Depois não se queixe.
RETORNO - Crianças nos anos 40 festejam a céu aberto a dureza da vida escolar. Uma inspiração para quem gosta de se sentir muito confortável diante do entrevistador.

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