18 de julho de 2007

SOMOS NOSSOS PRÓPRIOS TERRORISTAS


Foi difícil chegar ao objetivo do atentado, mas no fim deu tudo certo. Primeiro, sucatearam o sistema empresarial das companhias aéreas, destruindo Varig, Vasp, Transbrasil, o que nos remete ao primeiro grande tombo, o da Panair do Brasil, logo depois de 1964. Concentraram tudo nas mãos de duas megaempresas, Tam e Gol, sendo que esta última surgiu do nada e se assenhorou de quase todo o espaço disponível. Também se encarregaram de encher os aeroportos de sempre (não fizeram novos) com muitos serviços de shopping center. Fizeram questão de gerar uma série de problemas de corrupção nos encarregados da infraestrutura dos aeroportos.

Deixaram para lá a qualidade das pistas, que de tanto uso, cederam. Não contentes, fizeram remendos e concentraram grande número de vôos no aeroporto situado bem no miolo da megalópole. Para coroar, não modernizaram o sistema de controle de vôo e entraram em conflito com as pessoas que ficam em frente a uma tela decidindo vidas, em troca de módicas quantias salariais. O confronto dura meses, fazendo com que os aeroportos, para onde deságuam todos os equívocos do sistema de transportes, virassem ambientes infernais. Tudo isso apoiado pela destruição das ferrovias e o abandono das estradas de rodagem.

O atentado foi minuciosamente planejado. Era preciso que Congonhas ficasse superlotado, que a nova pista não segurasse o pouso em dias de chuva e que tudo caísse nos ombros de pilotos e controladores de vôo. Depois de providenciarem cada detalhe, era só esperar o dia certo. Houve alguns treinamentos. No dia anterior, um avião da Pantanal deu uma derrapada na pista e caiu de nariz na grama. Era o prenúncio de que o plano daria certo. Agora era mirar o avião para a avenida lotada em horário de pico, para o edifício onde os funcionários da Tam ficam 24 horas despachando encomendas. Bastava um bom vôo cheio de passageiros, um pouso problemático, uma chuva torrencial e pronto: eis que o plano terrorista deu certo. Centenas de mortos.

Não precisamos de Bin Laden nem de outros estrategistas do terror. Nós mesmos nos encarregamos disso. Cuidamos para que todos os dias a nação imóvel, espelhada na mídia, se queixe das condições dos aeroportos. Depois da tragédia, basta convocar os especialistas de sempre para fazer o rescaldo, enquanto o desespero dos parentes bate na amurada granítica da indiferença e da incompetência. Fosse eu o presidente da República, invadia a Tam e liberava a lista de passageiros no primeiro minuto depois do acidente. Mas não é momento para a ação, mas sim para a “força-tarefa”.

A cara de boi compungido das autoridades faz doer de indignação quem assiste o espetáculo. Serra falando pomposamente em mil graus dentro do avião em chamas é de chorar. O que foi fazer lá? Soube também que o presidente se reuniu com sua ministra e determinou não sei o quê. Isso faz parte do plano: estamos mobilizados para definir discursos que servem como emplastros fitoterápicos em cima da chaga vertendo sangue da nação em pânico. Por que? Porque se acostumaram a ficar impunes. Estão determinados a acabar conosco. Porque deixamos que eles sejam assim.

Fazemos parte do plano terrorista. Nós ficamos ao redor das vítimas e seus parentes e lamentamos muito (é a chance de mais “beijos no coração”). Como somos emocionais e corretos! E como levantamos nossos dedinhos em riste para essa corja que gargalha diante de nós, que não passamos de um rebanho de bestas que pastam infinitamente em direção ao matadouro. A todo momento, à medida em que nos conformamos e nada fazemos, reforçamos os planos terroristas para destruir o que resta do país. E devemos ficar como a cara do apresentador global, fulo com esse evento sinistro bem no miolo da festa do Pan.

Era uma noite para celebrar o ouro que enfim chegava. Os jornalistas maquiados, a felicidade da auto-promoção triunfante da mídia sempre pronta a pegar carona com o que temos de melhor, viu-se a braços com o luto, a dor, a ignomínia. Era a realidade, a forçar o jornalismo de verdade, e a dar um chega para lá ao marketing. Os fatos se impunham na sala do país em horário nobre. Que pena, não dá mais para ficar escolhendo os mais saradões do Pan, as mais gostosas, as mais disponíveis, sem que um gosto amargo de morte se interponha em cada passagem dos repórteres.

Gastar três bilhões no Pan faz parte do plano terrorista. Muito dessa bufunfa foi para dizer que estamos felizes, como sempre. Não estamos. A cidadania entra num avião e não sai viva. Somos nossos próprios terroristas.


RETORNO - Imagem de hoje: foto no local do acidente da Tam em Congonhas, por Marcelo Min.

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