3 de agosto de 2007

O BRASILEIRO QUE CHEGOU LÁ


Não existe , ou não deveria existir, motivo de conflitos numa sociedade de classes, pelo que se pode aprender com a entrevista dada à Folha pelo líder do movimento Cansei, que é alto executivo da Phillips. Existem brasileiros pobres e ricos, mas isso é uma coisa natural, segundo sua visão. Os ricos são os brasileiros “que chegaram lá”, de onde se depreende que os pobres são os brasileiros que não chegaram lá. Chegar lá é um direito e os ricos não têm culpa de existirem tantas favelas, roubalheiras, acidentes aéreos. Trata-se de um raciocínio que ocupa o chinelo da miséria da filosofia.

Assim como é difícil conceituar “por aí” (da expressão “não é bem por aí”) fica impossível saber o que é chegar lá. Talvez seja encher o bolso de grana mesmo sendo testa de ferro de multinacionais. Ou arrochar todo mundo explorando a mais valia dos trabalhadores para colocar o resultado do caixa na Suíça. O problema é que o movimento Cansei, de fonte espúria e objetivos idem, pode desencadear alguma coisa grave a partir deste mês, quando começarem as manifestações.

Isso porque o governo se abespinhou todo ( a vaia ainda está reverberando nas orelhas presidenciais), pois sabe o potencial de repercussão no eleitorado de uma iniciativa cacifada por gente rica em plena época de erros monumentais. Lula ameaçou colocar sua tropa na rua e a militância já está convocando. Era o que nos faltava. Um bipartidarismo esdrúxulo, cada um puxando a brasa para a sua democracia. Sabemos, pela reiteração sistemática do conceito, que democracia é tudo o que nós fazemos e não-democracia o que os outros fazem.

O que impressiona é o ranger de dentes da situação. Há uma raiva geral contra a oposição. O país está travado desde que Lula assumiu (antes havia esperança de que houvesse saída para a ditadura civil). Acabaram-se as grandes passeatas. Agora a liderança dos que colocavam pessoas na rua estão no poder. Mas esse frágil e falso equilíbrio pode se quebrar.

No caldo, renasce o sentimento megalômano da pequena burguesia. Ou você não lê ou escuta a toda hora que é a classe média “que mais sofre”, porque sustenta tudo o que está aí? É a mesma cantilena da pretensa dependência do Nordeste em relação ao sul. Uma vez um vendedor de Fortaleza me fez uma pequena preleção sobre o dinâmico mercado consumidor e produtor da sua região. É de espantar qualquer metido a besta da europinha meridional.

A classe média não é de nada. Serve apenas para reiterar o pensamento da classe dominante transformado em Natureza. As coisas são assim porque são assim, como diz a tautologia, que é “a morte da linguagem”, segundo Roland Barthes. A classe média não vive sem empregada, não se veste sem que os operários fabriquem alguma coisa para que todos possam se vestir, não come se o agricultor não plantar, não viaja se não tiver alguém para carregar suas malas para dentro do avião. A classe média é cheia de privilégios e não me toques. Não mora na favela e se acha perseguida.


O CRIME DE 64 NA JUSTIÇA


A família do presidente João Goulart está processando os Estados Unidos pelo crime cometido contra um mandato ungido nas urnas mais de uma vez – nas eleições presidenciais e no plebiscito. O argumento da acusação é a confissão do crime, por parte do embaixador americano no Brasil na época, Lincoln Gordon, que acaba de admitir publicamente o plano da CIA, a chamada Operação Brother Sam, motivo principal da vitória dos golpistas e da expulsão de Jango para seu exílio, de onde nunca mais voltou.

A indenização pedida é de mais de três bilhões de dólares. É pouco, não só por ter destruído uma família (entre tantas outras, espalhadas pelo território nacional) mas principalmente pelo estrago no nosso país, que perdeu em 1964 seu direito de existir como nação livre e soberana.


RETORNO - 1. Imagens de hoje: a primeira é de Marcelo Min; na menor, o presidente João Goulart, esposa e filho. 2. Apareço no You tube recitando o poema "Os poetas não são deste mundo", de Marco Celso Viola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário