21 de agosto de 2007

VAIDADES EXPLÍCITAS (*)




A vaidade se manifesta por inúmeros gestos. Um deles é um certo esgar no rosto, quando o vaidoso força um dos cantos da boca (com leve interferência na base do nariz), contraindo a bochecha. É só lembrar da expressão característica de Elvis Presley, que uma vez debochou da insistência de Hollywood em explorar esse detalhe do seu acervo, tão cheio de inovações.

O ar blasé sugerido juntou-se a coisas não menos prosaicas, mas de grande impacto, como o rebolado para homem e a coreografia dos ombros ritmada pelas torcidas bruscas de pescoço.

Talvez o esgar de Elvis não tenha sido expressão de suas vaidades, já que fora forçado a transformar em hábito um trunfo circunstancial, inventado diante do espelho para fisgar garotas. Mas a imitação dessa pequena orgia facial, que se multiplicou até chegar aos ídolos de barro de hoje, pode ser colocada na galeria dos gestos que a sociedade do espetáculo consagrou para faturar em cima do individualismo trabalhado como endemia.

O farfalhar dos cabelos é outra contribuição da vaidade para a cultura cosmética de massas. Não se trata apenas de comercial de xampu, que são sempre os mesmos há décadas, com suas erupções capilares rigorosamente enquadradas num modelo sintético de beleza e limpeza. Mas de entrevistas de celebridades que costumam jogar para todos os lados os cabelos que sobram em brilho depois de um tratamento que deve durar horas.

Esse fru-fru possui ambição. Ele se pretende uma reiteração da falsa originalidade repetida até a exaustão. Costuma tomar conta da percepção dos espectadores, hipnotizados, sem saber, pelo resultado de um gesto vazio que funciona, em tese, como uma espécie de status. Parece que dá certo, já que os cabelos, a todo momento, são atirados para o alto, para o lado, ou agarrados como se fossem pedras de um jogo de Cinco Marias, que depois se desatam no ar. Esse lance acompanha frases de efeito, que exigem aplausos no ponto final.

Mas existem outros gestos mais restritos aos sabichões de verdade, os especialistas convocados para decifrar nossas tragédias diárias. O sacudir afirmativo veemente da cabeça depois de uma declaração que se quer bombástica é uma delas. Significa: "estou aguardando você, interlocutor, chegar às minhas alturas". É no fundo uma concessão de quem detém o conhecimento e precisa ter paciência para que a platéia o acompanhe.

Como é notória a incapacidade de se produzir pensamento que preste hoje no Brasil, o sacudir afirmativo fica sendo a marca registrada de um capital simbólico que perdeu valor de tanto ser contrariado pela realidade.

Há ainda expedientes menos perceptíveis, mas tão significativos quanto os óculos espelhados. Como o de entrelaçar as mãos para apontar a inadequação do pensamento alheio num debate. Já vimos esse filme. O especialista fica escandindo as sílabas para que a imbecilidade reinante possa entender o que ele está proferindo. Mas isso não basta. É preciso que as frases sejam acompanhadas pelas mãos cruzadas em todos os dedos, com as palmas viradas para cima, quando são sacudidas compassadamente.

Forçar o destaque tendo o cuidado de não dar bola para ninguém é o objetivo das criaturas descartáveis desta época sombria.

RETORNO - 1. (*) Este texto foi publicado nesta terça-feira, dia 21, no caderno Variedades do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: belíssima foto de Regina Agrella, que tem tudo a ver com arte, e não com a vaidade destacada na crônica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário