8 de outubro de 2007

FANTÁSTICO, A OVERDOSE


Vi neste domingo uma boa parte do Fantástico. A Globo faz parte da paisagem, para onde você se vira ela está presente. Como tinha queimado todos meus dvds antes das oito e meia (conseguir escapar do Faustão já é um feito) e como as outras redes conseguem ser muito piores, e como me recuso (nem posso) pagar pela propaganda maciça nas televisões a cabo, e como as TVs a cabo, em sua maioria, além de cobrar os tubos nem chegam onde moro, então vi a revista eletrônica de domingo. É sempre uma aula de manipulação.

Vejam o caso da consultora de moda, a Gloria Kalil, que ontem deu dicas, ao lado de uma espetacular e glamourizada Renata Celiberi (vestida para matar, com enormes brincos de argolas). Não contesto que tenha razão no que ela convence que entende, mas o fato de que os desempregados não dispõem daquele guarda-roupa todo para ter tantas dúvidas na hora da entrevista. Se a pessoa consegue encher a cama de vestidos, ou camisas, ou calças de todos os tipos e cores e desfila inúmeros modelitos em frente ao espelho, ele já está empregado, pois não? O desempregado não tem cacife para manter um guarda-roupa cheio e atualizado. A não ser que a produção da Globo tenha providenciado a roupaiada.

Também implico com o sussurro da Ceribelli sobre “roupa de trabalho”, como se ninguém tivesse o direito de inovar, de sair do padrão dentro da empresa e fosse obrigada a pagar o mico da servidão absoluta, transformada em regra pela consultora. “Se você vai à balada, então pode se vestir como quiser, mas no trabalho não!” Mas a funcionária não estava fazendo nenhuma grosseria, estava apenas se vestindo conforme sua auto-estima e seus sentimentos. Quis romper o círculo de ferro e a consultora foi em cima. Faltou uma pergunta; qual a roupa adequada para entrevistar uma consultora de moda? E qual a roupa que a consultora de moda deve usar para pontificar sobre a roupa alheia? Tudo básico e chic, claro, sem dar bandeira, que é coisa de pobre.

Tivemos também uma aula de não-história sobre os bandeirantes, capitaneada por Eduardo Bueno e Pedro Bial. O quadro teve o cuidado de lembrar que História é uma versão, que é construída, mas o próprio quadro faz parte de uma construção. Isso, claro, não foi dito nem percebido. Ficou assim: os dois jornalistas destacam que a História pode ser inventada, mas acabam se entregando à saga dos bandeirantes na mais tradicional abordagem possível, a de que foram necessários para o país. Roubaram, mataram, pilharam, escravizaram: quanta coragem! Foi o que Bueno falou para um pobre poeta (de boné, todo poeta usa boné), que ousou dizer que os bandeirantes eram vilões, ou seja, bandidos.

“Vá fazer poesia em outro lugar, que aqui é lugar de gente com coragem”, disse Bueno, numa cena de teatro amador no vão livre do Masp. Ou seja, poeta é covarde, corajosos são os caras que prearam 500 mil índios. Nem heróis nem vilões, concluíram os dois apresentadores dentro da representação maior da manipulação da História, o Museu do Ipiranga, que foi erigido como centro da História do Brasil. Bueno e Bial obedeceram assim ao cânone da historiografia paulista, que agora posa de politicamente correta ensinando que História é pura representação. Sim, claro. Inclusive, a própria denúncia de que História é uma representação pode se transformar numa nova representação. No caso do Fantástico, vira palhaçada.

Depois tivemos o Eduardo Giannetti da Fonseca colocando todas as fichas do desenvolvimento econômico das nações na educação, o que é de uma brutalidade sem igual. ( eu me pergunto: por que estudam tanto, se aceitam ser pagos para mentir?). O Brasil estaria na pior porque não sabe poupar, ora vejam. Para poupar é simples: basta se sacrificar hoje para colher amanhã, como fizeram a Coréia, o Japão, agora a Índia. E se nos endividamos foi porque não soubemos poupar. Conversa para boi dormir.

A dívida impagável é obra do imperialismo político e financeiro, que impôs suas garras a partir da Segunda Guerra e foi intensificada na implantação das ditaduras dos anos 60, 70 e 80, e ganhou impulso nas falsas democracias dos anos 90 para cá. Essa imposição aconteceu graças à corrupção interna, de uma canalha, em que se incluem os economistas (muitos viraram banqueiros), que enriqueceu entregando a soberania do país. Não é porque não poupamos e ó, como os indianos são fofos! Com seus oclinhos intelectuais, sua vozinha metida a convincente, Giannetti é o retrato do pensamento sob encomenda para a ditadura civil.
Essa ditadura de roupa "adequada" terceirizou a responsabilidade da barbárie para cima da população, que, como lembram sempre, elege os políticos, como se não vivêssemos num sistema fechado nos mesmos fantasmas de sempre. Eles atribuem toda a culpa ao povo ou à nacionalidade de última categoria, que somos nós. Pastem, que vocês precisam de grama.

RETORNO - Imagem de hoje: a estátua de Borba Gato, o paradigma de coragem do Fantástico.

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