17 de maio de 2008

1968: O BONDE DA HISTÓRIA


A foto acima é pura provocação: tínhamos bondes em 1968! Mas o que pega são as passeatas. Hoje, na Zero Hora, excelente matéria "A capital amordaçada", de Carlos André Moreira na capa do caderno Cultura, conta como foi a grande manifestação de 28 de junho daquele ano. O grande destaque é a presença marcante de José Loguércio, o supremo líder do movimento estudantil da época e que contava com apenas 18 anos, um a menos do que eu (descobri agora; sempre achei que Zé era mais velho). Mas o repórter me privilegiou com uma longa entrevista e acabei sendo também um dos destaques da reportagem, contrariando assim meu slogan favorito "é duro não ser um líder". Escreve André:

"O hoje escritor Nei Duclós, com 19 anos e secretário do Centro Acadêmico da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFRGS, em total desacordo com seu físico extremamente magro, fazia parte do comitê de segurança da passeata. Havia permanecido por todo o caminho organizando as últimas alas e agora percorria a multidão, que defrontava com uma fileira de policiais para os lados da Praça 15. A todos advertia aos gritos de "é pacífica!", para evitar que os ânimos se exaltassem. A polícia, contudo, avançou e a pancadaria foi inevitável."

O jornalista, extremamente gentil, eficiente e atencioso, diz a verdade, mas faço uma ressalva: os gritos de "é pacífica" era da multidão, uma espécie de palavra de ordem oficial da passeata, pois dias antes tínhamos nos recusado a sair para a rua, para não fazer o jogo da repressão (para desespero dos estudantes secundaristas, que estavam super mobilizados). Colocado no final da passeata, eu apenas repetia o que dizia a massa. A advertência era de todo o movimento.

Eu era um dos secretários, de Imprensa. Fazia parte do staff de Zé Loguércio como representante "da massa". Fora escolhido graças ao prestígio desfrutado na sala de aula, onde ficaram sabendo que eu passara no vestibular de jornalismo da Ufrgs com o primeiro lugar. A origem de ter sido catapultado para o miolo das decisões fora esse passado de bom moço, estudante cdf. Mas 1968 cuidou para esbugalhar tudo isso.

Mais da mesma matéria: "Duclós correu para o lado do Banco da Província, tangido a golpes dos cassetetes de borracha - repuxavam a pele e deixavam uma sensação de queimado a cada golpe. Assim como ele, uma boa parte dos manifestantes em fuga foi encurralada contra uma parede.
- Estávamos literalmente "contra a parede" e a milicada veio em cima pra bater. Mas antes disso, passou um tenente a cavalo e freou os subordinados - conta." Tudo verdade. Só que o tenente não passou a cavalo, e sim a pé. Devo ter me empolgado na entrevista e passado algo de faroeste no relato.

Mas a grande declaração da matéria é do Zé Loguércio. Diz o líder: "Por mais que a população não houvesse pendido para o nosso lado, a ditadura não foi mais aceita naturalmente depois daqueles movimentos. Baixou o AI-5, partiu para a truculência e perdeu a falsa legitimidade que tinha. Se não tivesse havido aquela resistência naquela época, talvez a ditadura tivesse sido mais longa."

Sempre admirei Zé Loguércio. Tem um carisma natural, uma coragem infinita, uma inteligência tocante. É um dos grande quadros formados em 1968 que deveria assumir integralmente seu papel na política. Já falei para ele que o vejo como o futuro presidente da República. Ganha fácil.

Ainda tem um toque final sobre mim na reportagem que diz o seguinte: "Nei Duclós, embora reconheça a fagulha de luta do período, não abre mão de uma nota de humor.
- Me perguntam muito como eram os anos 1960. E eu sempre respondo: a maioria de nós usando cabelo curto e vivendo numa baita duma ditadura. Não sintam saudades, porque não era legal." Falei que a única coisa legal era nossa mocidade. Mas tinha outras coisas. Na hora de ser entrevistado, sempre falamos menos ou mais do que devíamos. Mas o bom é que a reportagem pega fundo no movimento. "O 68 que nos toca", diz o título, magnífico, do caderno.

Não "refletíamos" a época, como é dito em outo texto, de outro autor, no caderno. Éramos protagonistas. Éramos o Tempo bravo como a tempestade. Líamos Marx, Lênin, Mao. Éramos contra a ditadura. Eu fui me embora para Floripa e depois São Paulo. Zé Loguércio, depois de ter sido preso em ibiúna, caiu na clandestinidade.

Tu precisas voltar, líder de massas. Bota de novo o povo na rua, que a ditadura, como a luta, continua.

RETORNO - A reportagem traz também outros protagonistas, como o estudante do Colégio Parobé Lauro Dario, o jornalista e escritor Walter Galvani (mais tarde meu primeiro diretor de redação), e Maria Teresa Chaves Custódio, que cursava o Clássico no Colégio Júlio de Castilhos.

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