25 de maio de 2008

OS CÍRCULOS DA FALSA DEMOCRACIA


Fogão a lenha tem, na chapa, um conjunto de círculos de ferro acoplados, que calibram o volume do fogo para todo tipo de comida. São retirados ou colocados, conforme a necessidade, por uma barra de ferro torcida na ponta, que fisga o aro quente. O círculo maior, que sai por último, é para fazer pratos poderosos, como o feijão, cozido em grandes panelas de ferro. Para esquentar uma chaleira, precisa apenas retirar o primeiro da fila, o círculo menor. Esse sistema é usado na falsa democracia que nos ilude e explora. Cada roda é um nível de representação popular manipulada.

A primeira é o programa de auditório. A arena da claque orquestrada pelos animadores aplaude os princípios veiculados nos domingões faustosos, nos sabadaços sertanojos, nas manhãs xuxadas. Representa o eleitor, que precisa votar no consenso engendrado pelos donos do poder, o consumidor, que devora novelas, xampus e crédito fácil. É o núcleo da sacanagem, onde o fogo está concentrado num pequeno, mas significativo espaço. É onde se concentra o grosso da publicidade, que estimula o grude coletivo monitorado.

A segunda roda, um pouco maior, é o chamado povo-fala (era assim que batizavam as entrevistas feitas na rua, não sei como dizem agora). Para que se justifique tudo o que está sendo inoculado no programa de auditório, é preciso que apareçam as pessoas, em filmagens externas, confirmando que o líder criminoso da favela tem toda a razão de existir e de ser a lei do mais forte, por exemplo. Enquanto a perversidade corre solta no programa de auditório, o segundo círculo, o do povo-fala, cerca a mentiragem com uma espécie de álibi perfeito, tipo a voz do povo é a voz de Deus.

A terceira roda, de maior alcance e poder de fogo, são as pesquisas de opinião encomendadas. Desde 1982, no escândalo Proconsult, sabemos para que servem as pesquisas. Não mudou nada, só tiveram o cuidado de não dispor nenhum Brizola por perto. Agora estão pesquisando, com dinheiro público, quantas vezes você vai o banheiro. O resultado será vendido para fábricas de papel higiênico, naturalmente. Se você dá ou come e de onde você tira a suada sobrevivência. Se você vive com sua tia e em quem vai votar. Pesquisa é uma coisa, o resultado é outro. Serve para justificar a opinião pública a favor do comércio de produtos e cargos (as velhas mamatas, como provam os cartões corporativos).

Na quarta roda, bem maior, existem as campanhas eleitorais. Milionárias, mas veiculadas graças às concessões públicas da difusão. Obedientes ao marketing, com suas câmaras lentas de pessoas se abraçando, suas palavras recorrentes (saúde, educação), as caras lombrosianas, as batidas no peito a favor da ética e toda essa baboseira que conhecemos. É um círculo foda, pois ali fervem as grandes granas expropriadas da população. A verba grossa tem destino ali, nas campanhas. Os mandatos servem para pagar campanhas anteriores e preparar as novas.

E por último, a grande roda de ferver feijão em grossas panelas, o discurso oficial, as falas dos governantes, os que já estão com a mão na massa e mentem sem parar, de olho nas pesquisas, nos programas de auditório, no noticiário. Nesse discurso nascem expressões como duela a quien duela (Collor), assim não pode, assim não dá (FHC), nunca antes neste país (Lula), sem falar nas expressões cretinas como vontade política, força tarefa, saia justa, tomar posse etc.

Na grande chapa do fogão da lenha da nacionalidade, somos fritados em óleo quente. É como diziam para Frank Sinatra em inesquecível comédia (The lady is a tramp): jump, jump, Joe, jump. Pule, pule, Joe, pule. Como já foi dito aqui, nós somos o play-ground dessa canalha.

RETORNO - Faça um teste: coloque o nome de Sandra Corveloni, entre aspas, no Google. Virão milhares de ocorrências, a maioria do prêmio que ela ganhou como melhor atriz em Cannes neste fim-de-semana. O resto são apenas citações por seu trabalho no teatro. Ou seja, não existe nenhuma entrevista, nenhum destaque. Ela jamais foi assunto de capa de caderno cultural, nunca apareceu falando do seu trabalho, nem estava cogitada para ganhar o que ganhou. Até mesmo Walter Salles, diretor do filme onde atuou, confessou surpresa. Sandra, por problemas de saúde, dizem, não compareceu ao evento. Certamente colaborou também para sua ausência a falta absoluta de esperança de vencer dessa maneira. Vemos isso diariamente: o talento sendo colocado de lado. Na Globo, tiveram a manha de dizer que ela era desconhecida até a data de ontem. Se era desconhecida é por culpa da mídia viciada, que só vai no Mesmo, repetindo sempre os mesmos nomezinhos. Walter Salles e Daniela Thomas ganharam milhares de ocorrências na mídia, mas o único prêmio do filme foi para Sandra. Quem é? Ninguém. É preciso que os estrangeiros venham apontar nossos talentos, que aqui são cercados de indiferença.

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