11 de novembro de 2008

GUERRA E MEMÓRIA


Nei Duclós (*)

Que lugar ocupa a guerra na história do Brasil? General Osorio e seu tempo, de José Antônio Severo, é uma resposta a essa pergunta e uma pá de cal no equívoco de que o país seria fruto apenas de artimanhas e escapatórias, de espertezas políticas e diplomáticas e não da vontade expressa no campo de batalha. Trata-se do levantamento minucioso do envolvimento da nação brasileira numa luta de vida ou morte, ao longo de um período em que se definiu primeiro como Reino Unido, depois como Império e finalmente como República. Os protagonistas desse embate deixaram marcas profundas na terra e no imaginário da população em armas.

O registro dessa trama complexa está confinado à memória oral, aos raros especialistas e aos curiosos que não se conformam com o cerco de silêncio sobre um tema básico para a formação do país. Nossa história militar, apesar de grandes e importantes trabalhos (muitos deles jogados num canto das estantes) amarga o preconceito, fruto do desconhecimento e muitas vezes da má-fé. O esquecimento que merece ser rompido por uma questão não só de justiça, mas de sobrevivência.

General Osorio e seu tempo se desdobra nesse terreno minado, somando narrativas da História e da Literatura. A vida do general Osorio, abordada como um romance épico, pertence a uma linhagem multidisciplinar em que a pesquisa se alia à imaginação para decifrar o que nos precedeu, procurando limpar a névoa que insiste em cobrir as mais significativas ocorrências.

Aqui convivem tanto a saga dos antigos narradores, o acervo de detalhes levantados por inúmeros estudiosos isolados em suas províncias, quanto as contribuições decisivas da moderna historiografia. A voz dos descendentes dos heróis conhecidos e anônimos se mistura à análise de processos beneficiados hoje por revelações inéditas sobre assuntos candentes como escravidão, monopólios, Forças Armadas, vida militar, guerras, colonialismo, Império, maçonaria, revolução, relações internacionais, definição de fronteiras.

Não se trata de um relato frio nem um resgate mecânico da sucessão de eventos que costumam freqüentar os manuais. Mas sim uma reincorporação dos fatos que definiram os contornos do Brasil no Cone Sul, por meio de seus principais personagens, tendo à frente o general Osório e seu séquito de ancestrais, familiares, companheiros, inimigos, protetores e desafetos.

Os detalhes ganham vida para ocupar o lugar devido na história. Como se movimentavam os exércitos, qual a estrutura das forças armadas em desequilíbrio e busca de eficácia, o que definiu derrotas e vitórias, o que se passa na cabeça de um guerreiro antes, durante ou depois da batalha? Qual o papel das minorias nessa luta? O que faziam as mulheres, os índios, os negros, no front? Qual a o armamento usado, as táticas, as estratégias, os cercos, os recuos, os avanços, as cargas?

O livro vai fundo nas questões que realmente importam para se entender o período e seus líderes, a época e seus soldados, o tempo e seus fantasmas. Qual a hierarquia de traições, decisões, barganhas, negociações nas lutas que se desenrolavam em períodos extremos, pontuados por tempos de paz ou de insegurança social, onde se procurava fazer negócios, prosperar, viver de novo? Como se configurava o quadro político em eterna transição, os egoísmos, as vaidades, a bravura, a mortandade, as doenças, as feridas, a febre?

General Osorio e seu tempo aproveita o fôlego para insuflar vida em temas pouco compreendidos e tão presentes como a situação dos escravos, as sintonias e brigas com as potências, os motivos de invasões, assaltos, violências e armistícios. Ao mesmo tempo, ousa penetrar no coração exausto dos guerreiros, em suas glórias e desesperanças, suas contribuições e prejuízos. Avalia a sorte dos combatentes, os que se foram no meio da refrega, os que ficaram para contar a história, os que se encantaram como herói ou mito.

Seria coisa demais para um livro só. Mas não para General Osorio e seu tempo, que tem a magnitude de uma saga, escrita com o ardor de um habitante nascido no miolo desse mapa onde se cruzam guerra e memória. José Antonio Severo teve o privilégio de mergulhar muito cedo a grandeza desse acervo que corria de boca em boca e que mais tarde descobriu por inteiro em muitas leituras e também na árdua pesquisa de campo, palmilhada com a força dos pioneiros.

Esta obra que engrandece o país, celebra a coragem e a paz, tira lições valiosas e contribui decisivamente para que todo esse tesouro não seja desperdiçado nem caia na vala comum do desinteresse. “Osorio e seu tempo” tem o ímpeto de uma carga de cavalaria, que começa na prudência do passo, aperta o ritmo no trote e avança sobre o presente a galope.

Nei Duclós - Jornalista e escritor, graduado em - História pela Universidade de São Paulo

RETORNO - Este é o texto de apresentação do monumental General Osorio e seu tempo, de José Antonio Severo, patrocinado pela Braskem, Copesul e New Holand Agriculture, sob o estímulo das leis de incentivo à cultura do Minc e Governo Federal, que será lançado hoje, terça-feira, dia 11, no Memorial do Rio Grande do Sul, Sala dos Jacarandás, Rua Sete de Setembro, 1020, Praça da Alfândega, no Centro de Porto Alegre, no coração da Feira do Livro. Estarei presente, para dar um abraço no jornalista e escritor Severo, que está lançando o grande livro da sua vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário