25 de abril de 2009

CHE, PARTE I: REVOLUÇÃO É LINGUAGEM


Nei Duclós

Che, o Argentino, primeira parte do filme de quatro horas do cineasta Steven Soderbergh, com Benicio Del Toro no papel principal, pode ser comparada a Queimada, de Gillo Pontecorvo: é uma obra didática sobre a revolução. Queimada é marxismo clássico – a tomada do poder pela burguesia, que vence a aristocracia intensificando as lutas populares e delas tirando o melhor proveito. Che é guerrilha: o núcleo rebelde define uma ação que aglutina as oposições e convence o povo a derrubar o regime, no caso a ditadura de Fulgencio Batista. Ambas são linguagem: as armas obedecem à ordenação e difusão das palavras, o texto que se impõe por todos os meios.

Antes de ser ação, a linguagem revolucionária é um exercício de auto-convencimento por meio da argumentação lógica, ou melhor, por meio da composição de um discurso dialético, que faz interagir condições objetivas para a guerra com decisões acertadas pela clareza das posições dos combatentes. Fidel Castro é um emissor principal dessa sedução dos argumentos. Ele escuta a própria voz para que obtenha sucesso, ou seja, chegue aos receptores. Fidel é política: “Se tomarmos um caminhão, o inimigo dirá que foi um acidente de estrada; se tomarmos um quartel, provocaremos um impacto psicológico na nação”.

Che é estratégia: quando necessário, cuida da retaguarda; investe sem ajuda dos reforços, porque acha menos perigoso do que ficar parado; reúne as forças de oposição por meio da centralização do comando no front. E se coloca na vanguarda, onde corre bala, conseguindo com isso duras advertências do seu líder. Baseado no livro de Che, “ Passagens da guerra revolucionária”, o filme trabalha o envolvimento do médico argentino que vira guerrilheiro cubano. Divide-se em guerra rural e guerra urbana. A primeira é o início, a base: a falta de fôlego, a dispersão, a fraqueza e a organização. A segunda é a cúpula: os tiros dados casa a casa, a marreta que cruza cinco paredes até chegar à igreja onde se esconde o inimigo; o tiro certeiro no companheiro que sobe no terraço para espiar; o morteiro estraçalhando um tanque.

Nos dois ambientes, sempre, a catequese. Na selva, a fala à tropa, o combate às defecções, às traições, aos abusos. No meio da natureza e das plantações, a semeadura da ética, para diferenciar revolução de golpe e luta de carnificina. Nas cidades, o aceno aos soldados do governo para que deponham as armas, as negociações duras com os oficiais do regime, o pronunciamento por meio da rádio, as aclamações populares. Do mato ao tijolo, a linguagem costura os atos e em cada episódio há uma lição.

Se você monta a guarda, deve cuidar para que funcione; se você assume a tropa, se prepare pois ficará dias sem comer e dormirá embaixo da chuva; se desertar, deponha as armas e não permaneça mais do que 30 minutos no acampamento; se a igreja é o lugar mais alto, deve ser tomada imediatamente; se não houver rendição em uma hora e onze minutos, o oficial renitente será responsabilizado pela matança; se não souber ler e escrever, ficará à mercê dos ditadores; se lutar sem amor, não verá sentido na luta.

Fiquei estarrecido com a ridícula jornalista de Miami que ficou torrando o Benício Del Toro sobre Che, dizendo que ele encarnava um assassino odiado por seus atos. Del Toro travou, não respondeu nada. São falas incomensuráveis. A comunicadora de araque que confunde cinema com posição ideológica; e o tremendo ator que ao desistir de imitar Che encontrou o caminho para interpretá-lo. Só a arte salva. O filme que permanece fiel a um texto, acaba convencendo. E a mídia obcecada com idéias fixas, perde a credibilidade.

Che Loco. Baita filme.

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