19 de abril de 2009

CLINT EM "GRAN TORINO": INCLUSÃO NA AMÉRICA


Nei Duclós

Contra a divisão étnica, a vizinhança; contra a violência, o sacrifício; contra a diáspora, a nação; contra o esquecimento, a memória; contra a vingança, a justiça; contra a falsidade, a identidade; contra o ressentimento, a confissão; contra o isolamento, o convívio; contra o ócio, o ofício. Gran Torino, produzido e dirigido por Clint Eastwood, trabalha o antídoto sobre o veneno e dá uma chance à paz: é sobre a inclusão na América conflagrada entre as gangues e os veteranos de guerra, entre a migração e a xenofobia, entre o consumo e a religião.

A imagem terminal do herói americano é a protagonista do drama: ela resiste, mas não da forma tradicional (matando o Outro), mas virando o jogo ao oferecer a outra face e resgatar a coragem dada como perdida.

É filme com grandeza, composto como um solo de blues. Não explode, sussurra, não aborrece, embala, não apela, diz a verdade. É um filme sobre orfandade e a paternidade possível. O pai que ensina o garoto da casa vizinha a conseguir um emprego aprendendo o jargão masculino dos trabalhadores é o mesmo turrão que aponta armas contra quem pisa o gramado. Um não escapa do outro: ambos formam um só, porque a correção não vem do comportamento, dos hábitos ou das certezas, mas do caráter.

Kowalski, interpretado pelo setentão Clint, não pede arreglo na viuvez, não respeita a comiseração dos parentes, não abre mão da sua rotina . Por ser o que é, sabe aceitar o convite para compartilhar a mesa com os estrangeiros que dividem a rua com ele. Sua autocrítica é silenciosa e não interfere no perfil que escolheu para palmilhar o mundo. Cede porque permanece firme, não porque desistiu de ser o que sempre foi. Ele guarda na garagem o objeto mais cobiçado da região: seu Gran Torino montado por ele, ex-operário da Ford, em 1972. É o talismã que repassa, por testamento, a alguém que mereceu ser dono dele e não aos que se acham destinados à herança.

Depois dele, a América se torna maior. No lugar de encolher-se nos prisioneiros do passado, que perdem a batalha diante da marcha do tempo, temos uma nação mais completa, capaz de aglutinar povos dispersos, que deságuam nela corridos pelas guerras. Não se trata de manter os muros que separam as populações amontoadas no território americano, mas de apostar na lei como forma de pacificação humana. A utopia de Clint sacrifica o seu herói em função de algo maior. O veterano transcende o gramado que defende com tanto zelo e abre-se para a permanência daquilo que sempre defendeu: a liberdade de escolher uma terra para viver e nela permanecer em paz.

Por isso nós, os que amamos o cinema, carregamos Clint Eastwood como se fosse uma medalha que volta à sua origem, para lavar o pecado do extermínio e inaugurar uma época de entendimento. Admiramos esse cara que não abre mão de sua identidade e mantém viva a chama da Sétima Arte. Esse é o filme que gostamos de ver, nós, os garotos criados na época em que John Ford ainda vivia.

RETORNO - Imagem desta edição: Kowalski (Clint) ensina Thao (Bee Vang) as artes dos consertos e das ferramentas.

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