2 de junho de 2009

GÊNIO


Nei Duclós (*)

Gênio é uma palavra multiuso. Há o sentido mítico, das narrativas ancestrais e que se refere a criaturas encerradas por milhares de anos em garrafas, sem haver explicação plausível de como o continente conseguia acompanhar a eternidade do conteúdo, já que barro e vidro são datados, ao contrário do duende salvador que tudo podia, menos abrir uma rolha. Palavra mais propensa à figuração do que à realidade, acabou rolando pela sarjeta das conversas, como a prática adotada do elogio aleatório a algum evento ou pessoa, que já chega sem força ao objetivo.

Mas há o significado dito correto, de pessoa que transcende a mortalidade por meio de obras ou de uma personalidade que vira referência, graças a uma biografia sem limites, que se consagra. Esse cânone é oposto à lista dos candidatos contemporâneos, onde sobram exemplares, especialmente nas artes e nas ciências. É difícil chamar de gênio o Lindauro, por exemplo, que dedicou sua vida ao hobby de colecionar cachimbinhos de barro. É mais fácil chamar o chefe de gênio, já que ele lançou um livro sobre crônicas psicografadas por entidades marcianas. Dá mais futuro.

O certo é reconhecer Camões ou Da Vinci de gênio, mas esse tipo de abordagem não permite nenhuma elasticidade. O Olimpo do gênero está lotado e há tempos não oferece vagas, com algumas exceções, como a súbita e longeva existência de Borges. A escassez acaba gerando sua abundância, num paradoxo digno da sociedade de espetáculos, que a tudo provê e padroniza. Já que não existe margem, o melhor é atulhar os limites da palavra de candidatos.

Se fosse cargo remunerado, com direito a carteira assinada, haveria um pouco mais de ordem na bagunça. Manteria em atividade uma quantidade considerável de gênios reconhecidos, que poderiam até dar carteiraços em concertos internacionais ou entradas das boates, se é que ainda existem boates. A dificuldade seria encontrar empregador à altura, que tivesse critérios suficientes para decidir quem iria usufruir da atividade.

No Brasil, já sabemos como seria. Todo parente que não se enquadrasse em alguma espécie de diretoria receberia salário para exercer a nobre função. Mas quem evitaria o excesso, como as assessorias especiais de gênios, com direito a viagens gratuitas de especialização na Europa?

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Amsterdam, Vondelpark, foto de Daniel Duclós.2. (*)Crônica publicada nesta terça-feira, dia 2 de junho de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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