25 de junho de 2009

GOL DE FALTA NA AFRICA GELADA


Nei Duclós

O jogo contra a África do Sul desta quinta-feira em Joannesburgo foi um embate que sufocou a seleção brasileira. Erramos todos os passes e eles acertaram todos. Nossos craques eram estrelas isoladas, morando em asteróides que não se comunicavam. A bola ficava enrodilhada num redemoinho e acabava indo para fora.

Joel Santana armou o time possível, fechando o ferrolho sobre a campanha vitoriosa de Dunga, que prefere não mudar na maior parte do tempo e só faz uma alteração quando não tem mais jeito. Sorte ou estratégia? No momento em que colocou Daniel Alves no lugar de André Santos, não entendi. A verdade é que Daniel Alves estava predestinado e decidiu se concentrar ao máximo para que a bola seguisse o impulso da energia cinética produzida pela sua mente.

E na véspera do encerramento do jogo, quando já tremíamos diante da possibilidade de uma prorrogação, e pior, do sofrimento de uma decisão por pênaltis, ele avançou sobre a criança afetivamente colocada no ponto exato. Seu pé obedeceu a vontade expressa por sua concentração e nossa torcida. E voou como um pombo correio com endereço certo, numa trajetória em curva, que quebrou o gelo de um jogo irritante.

Não dá para suportar tanta expectativa diante de uma peleja e verificar que ela não desencanta, fica amarrada, como aconteceu na quarta-feira no Cruzeiro e Grêmio pela Libertadores, um confronto amarrado, bruto e que acabou numa bestagem, em plena delegacia de polícia. É possível que o argentino Maxi Alves tenha mesmo chamado o adversário de macaco. Os argentinos dizem isso desde a guerra do Paraguai, quando nossos soldados negros, formados em batalhões próprios, fizeram uma campanha mortal, atraindo ódio e inveja entre os hispânicos.

Mas com o xingamento ou não, foi um jogo travado, como este Brasil e África do Sul. Muito diferente do magnífico Internacional versus Corinthians pela Copa do Brasil. Não porque o Timão tenha vencido por dois a zero. Mas porque foi um jogo brilhante, com lances inesquecíveis. Destaque para Ronaldo, que aplicou uma dupla tesoura. Avançou sobre a bola, que sobrava para lá da linha adversária. Deu então um corte nela, driblando o colorado que vinha logo atrás. Depois, com a canhota, deu outra tesoura, colocando a bola numa diagonal que escapou do alcance do goleiro.

O gol de Daniel Alves nesta quinta também foi fantástico. A bola primeiro se projetou para fora do arco feito pelos braços do goleiro, escorregou do seu golpe de vista, foi-se para a linha de fundo. Mas o pé do batedor tinha cravado uma mudança de rumo na hora do chute. Ela então obedeceu e entrou um pouco abaixo do ângulo, lá onde nosso coração aos pedaços esperava por um milagre.

E foi assim que vencemos os anfitriões de maneira apertada, jogando sofrivelmente, mas carregados em triunfo pelo que somos, o Brasil que veio de longe. Quando tudo nos falta, gols, comida, estadistas, dinheiro, o carisma do país gigante vem em nosso socorro. E imprime fogo na geladeira insuportável tocada por milhões de cornetas ilegais. A bola beijou os pés da rede e o estádio silenciou como se o mar, de repente, tivesse convencido a tempestade a dar uma trégua.

Foi assim que nos classificamos para a final, onde nos espera a tradição de uma zebra: os Estados Unidos, aquela legião estrangeira que joga soccer e que na copa de 1950 venceu a Inglaterra! Mas zebra não deve meter medo em quem enfrentou os leões africanos dentro da casa deles e provou que, para vencer jogo decisivo, é preciso mais do que vontade. É preciso pertencer a uma linhagem em que um gaúcho campeão do mundo coloca nos minutos finais um baiano de Juazeiro. E ele bate como se o seu pé fosse o arcanjo anunciador, capaz de calar o gentio, os que ainda não nasceram para essa glória efêmera, o futebol. Mesmo num dia ingrato, e na faísca de um instante decisivo, o futebol brasileiro decola para a posteridade.

RETORNO - 1.Imagem desta edição: Daniel Alves.

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