4 de julho de 2009

COMO ENSINAR


Nei Duclós

O governo vai colocar nas escolas milhares de exemplares de um manual para ensinar professor a ensinar. Como considero isso um abuso, pois bastaria criar um blog sobre o assunto que sairia tudo quase de graça – bastaria pagar o autor do chamado conteúdo – resolvi meter a colher no assunto. Não, não vou “disponilizar” nada para “alavancar” carreiras. Vou dizer apenas como se deve fazer para desasnar os alunos.

É muito simples. Primeiro, exija postura. Se o cara quiser conforto, que vá para o sofá da casa dele ou volte para a cama. Aprender exige atitude asceta, ou seja, espinha ereta, assento duro e olhar fixo no professor. Os alunos, antes de começar a aula devem aprender a esvaziar a mente, pois chegam de casa ou da rua cheios de merda na cabeça. O começo de cada aula deve ser dedicado a tirar o lixo do cérebro. Como fazer isso? Peça, ou exija, que as garotas parem de pensar na condição feminina, os garotos, de querer assediar as colegas, os pequenos de dar um pau nos grandes, e os marmanjos desistam de mastigar porcarias enquanto o professor fala.

É fundamental que a atitude de professores e alunos em sala de aula seja quase religioso. Basta eliminar a cabeça baixa ou o ajoelhar no milho, o resto funciona. Não que o professor seja um santo, sabemos muito bem o que fazem alguns adultos no meio da moçada. Mas é necessário uma concentração litúrgica para tirar proveito de uma aula. Para que o aprendizado aconteça, porém, não basta fazer contrição. O professor tem de ser um erudito na matéria. Ou seja, que saiba como provar graficamente, como faziam os antigos, a evidência do teorema de Pitágoras. Que diga no primeiro minuto de trabalho que toda a trigonometria se baseia na convenção de que o raio de uma circunferência vale 1.

Erudição é saber os fundamentos de uma matéria. Se morar aqui na ilha, tão metida a açoriana (quando no fundo é mais indígena, em suas origens, do que outra coisa), precisa saber que açor significa ave de rapina, gavião. O excesso desse tipo de ave definiu o nome do arquipélago, descoberto por um flamengo (não um flamenguista, mas um holandês) e apropriado pelos portugueses (o flamengo aportou antes em Lisboa e contou para todo mundo). Se for falar de poesia, explique para a macacada que a nobre arte nada tem a ver com trocadalhos do carilho, nem com palavrinhas soltas a esmo, nem versinhos pífios, nem sacadinhas bestas, nem riminhas espertas. Poesia, diga para eles, é intensidade absoluta da linguagem, que carrega não apenas a filosofia, mas a História, a Arte, a Antropologia. Para ser poeta, impõe-se, além da vocação, o estudo exagerado e ininterrupto.

Não vá fazer como o Chico Buarque que na Flip confessou que escrever é uma chatice. Ver o Chico tomar conta do noticiário literário é que é uma chatice. Ou então ler que, por ter sido criado em casa de historiador, sabe muita coisa de bastidores da História do Brasil. Faça como as pessoas sensatas e vai ler o pai do Chico, o gênio absoluto, Sergio Buarque de Holanda, coisa que o Chico não faz mais. Deve ter lido o Raízes do Brasil, mas esquecido Monções, Caminhos e Fronteiras, Do Império à República. Acho que nem o Livro de Prefácios, que contém magistral ensaio sobre Ranke, o pai da historiografia moderna.

Para você ensinar qualquer coisa, tem que ler todo o Sergio Buarque de Holanda, senão você pastará na mais bruta ignorância. O que define o estado civilizatório de uma pessoa é o fato de ter lido ou não Visões do Paraíso, de SBH, a maior obra da erudição nacional, em que cada capítulo vale por um livro. Leia você, porque esse negócio de mandar os alunos ler é perda de tempo. Ninguém lê. Todos estão grudados em seus brinquedinhos eletrônicos, passando esmalte nas unhas ou atribuindo a Shakespeare coisas que ele nunca escreveu. A falsa cultura domina tudo, desde as materinhas espertas da TV até os blogs de quase todos os matizes.

Para ensinar, é preciso pegar pesado. Não espere políticas públicas, os políticos pensam em outra coisa. Não permita que cheguem atrasado, faça ditado de textos intrincados, obrigue todo mundo a falar em público, reprove coletivamente (zero geral), deboche da burrice e da pretensão, não tema retaliações nem ameaças físicas, não deixe interromper a toda hora de maneira inútil. Tenha coragem, preparo e fôlego. Não vá ler manuaizinhos espalhados pelo governo, que assim você não vai aprender a ensinar.

Aprenda a ensinar se transformando no Monstro da Lagoa Negra. Aquela criatura disforme e execrável que assusta os alunos e que será amada como a pessoa mais importante sobre a terra, depois que a aula, o semestre, o ano letivo, o século e o mundo acabar. Você será visto como o Cruzeiro do Sul, a Estrela Polar, Andromeda. Navegarás na memória como um cometa viajando para os confins do nada, lá onde te espera Deus, de livro na mão, pronto para te tomar a tabuada.

RETORNO - Imagem desta edição: o Monstro da Lagoa Negra. Quem tem mais cem mil anos, como eu, sabe do que se trata. Personagem de filmes dos antigos matinês. Quem é moço, recorra ao google.

Nenhum comentário:

Postar um comentário