30 de agosto de 2009

UMA NAÇÃO DE ATORDOADOS


Nei Duclós

Ninguém fala mal da publicidade porque todos têm medo dela. Como ficam impunes, os publicitários surtam até não poder mais. No fundo, estão prisioneiros desse abuso que é tomar conta de todo o espaço disponível na TV aberta e na TV a Cabo (na Internet ela está invasiva, mas ainda dá para aturar). Os reclames não se conformaram em ficar no seu reduto tradicional e tomaram conta da programação, primeiro vi merchandising e agora no maior desplante, de tudo o que se faz e produz. Vejam o Milton Neves, o Faustão ou o Raul Gil, estão sempre fazendo propaganda no espaço que seria para entretenimento ou informação.

No Globo Rural, que ainda é bom, dê-lhe publicidade sobre Criança Esperança nas matérias e nos intervalos (como acontece com todos os outros programas da rede), insistindo para que as pessoas doem dinheiro, numa postura parecida com a que a Globo condena na Igreja Universal da Rede Record. É a mesma coisa: dinheiro dos fiéis. Mas qual é o resultado mais pernicioso da publicidade, além de condenar a população a engolir anúncio em todos os minutos das suas pobres vidas, como se isso fizesse parte da natureza e não houvesse solução nenhuma à vista (bastaria encarcerar os maganos que ganham os tubos com esse sistema e pronto)?

O pior de tudo é que a publicidade promove a padronização sob a capa da falsa diversidade. Fazer reclames para criança, negro, deficiente, mulher, idoso, estudante, dona-de-casa não significa que estão se dirigindo a vários segmentos de público, como eles gostam de dizer. Eles se dirigem a uma só pessoa, a um só personagem, a uma só caricatura: o idiota imbecil que nasce para consumir e é descartado ainda em vida, pois tem mais carne chegando das novas gerações para queimar na fornalha das vendas e do consumo sem limites.

É por isso que tanto o garoto que anuncia carro, a mulher que mostra as vantagens do absorvente, o pai margarina, o véio afetivo, o gorila urso durão, todos tem aquele comportamento, postura, voz, gestos estudados dos imbecis que eles imaginam que você, espectador, é. Ainda estamos na era pavloviana, a teoria do condicionamento puro e simples. Continuamos sendo treinados não a comprar ou a vender, mas a ser idiota, babaca, bundão. A maior evidência disso é a frasesinha ishperta, nessa entonação cretina de “ahá, isso até minha avó fazia”, ou “uhú, como é formidável oferecer o fiofó”. Dedinhos apontados para você, corpinhos cool ou saradinhos, gente sorrindo e se abraçando, ombros sacudintes de satisfação narcísica, eis o universo mental impingido na nação desprovida de cidadania.

Ontem assisti no you tube o longo (15 minutos) discurso do presidente Obama nos funerais do senador Ted Kennedy. O que me deixa louco vendo cenas em terras estrangeiras, é essa identificação de pessoas letradas, que se reúnem para debater, celebrar, ou render homenagens , como na missa para o mais jovem dos trágicos irmãos estadistas da América. Não temos mais esse tipo de evento. O que vemos no Senado, na Câmara, nas escolas é essa parvoíce geral de um país de atordoados (expressão usada por Jorge Luis Borges quando a Argentina se jogou na aventura da guerra das Malvinas). Não temos sequer mais estadistas para enterrar. Os que tínhamos, se foram. Imaginem o discurso quando o Sarney, o autor de “O Brejal dos Guajás”, se for. Ou o discurso do Lula na posse do terceiro mandato (toc toc toc).

A verdade é que desviamos o foco da educação, da formação escolar plena e profunda, de gente que lê e é civilizada, e que, ao estudar, abraçaram algum compromisso com a ética (o que não se vê em grande número dos nossos diplomados) para essa gandaia imbecil difundida pelos monopólios, que impõe representações idiotas do comportamento de massa, como a multidão que quer se libertar e acaba se atirando nas novas motocicletas, ou os babacas que se reúnem para churrasquear cheios de latinhas de cerveja na cuca.

Certo, a publicidade, tal como a conhecemos, tem origem americana. Mas lá eles possuem uma nação, a cargo de gente formada em universidades, uma elite preparada, pressionada pela opinião pública, uma população nutrida, enquanto aqui temos a sociedade de classes transformada num pesadelo, a bandidagem comendo solta, o desperdício do agronegócio (num estado, o gado morre de fome, em outro, montanhas de grãos deixados ao relento estragam com a chuva precoce, como vi neste domingo no Globo Rural).

Como a educação, mesmo que exista em alguns centros de excelência, deixou de ser o foco principal da nação, e como a economia serve para esvaziar os bolsos do povo despossuído, fomos entregues à sanha assassina do mercado predador e do Estado sanguessuga. Somos selvagens, não capitalistas. Num projeto do Criança Esperança, a meninada aprende a tocar instrumentos. Isso existia antes de 1964, a educação musical, a formação de bandas em todo o território nacional. Sucatearam e privatizaram e ficam se exibindo como são politicamente corretos. Tudo cacifado pela Petrobrás, que está na mão de estrangeiros, ou de bancos, que arrancam os tubos da população sem defesa.

Soube (porque não consigo mais ver o sujeito) que Lula criou constrangimento quando mostrou publicamente num evento sua cobiça em virar presidente da Petrobrás depois que deixar o Planalto. É só nisso que pensam: como garantir a sobrevivência das próximas quinhentas gerações da própria prole. Com família de dupla cidadania (que é “para garantir o futuro”, como disse a atual primeira-dama) e um cargo desses na Petrobrás, pronto, o resto que se exploda. Ficamos nós dançando ao som do hip hop, do sertanojo e do baticum, trilha sonora da guerra nojenta que os governantes sustentam contra a cidadania em pânico.

Chega, porra.

RETORNO - Imagem desta edição: o líder aponta a salvação para a massa: se joguem nas motos que assim serão libertados. Quem desempenha o papel de líder é o bom ator Wagner Moura, o mesmo da campanha do Bradesco (aquele que agora está por toda parte, o que só acontecia com a Caixa Econômica e o Banco do Brasil) e da banda Sua Mãe, especializada em músicas bregas. Ok.

Nenhum comentário:

Postar um comentário