7 de setembro de 2009

A PÁTRIA NÃO É UM NEGÓCIO


Nei Duclós

Tivemos muitos estadistas não sintonizados com a busca pura e simples do butim. O primeiro Andrada, por exemplo, o patriarca da Independência, que impediu a venda, para a Inglaterra, da Ilha de Santa Catarina (imaginem o negócio que isso significava, e a comissão!). Ou Dom Pedro II, que era rigoroso com as contas da Corte e ainda encontrava margem para financiar inúmeras carreiras artísticas e científicas. Tivemos Frei Caneca, representante da Bahia nas Cortes Portuguesas, o próprio Tiradentes, que não estava envolvido na sedição só para assaltar o Tesouro. Ou Julio de Castilhos, morto aos 32 anos, estadista ferrenho e duro, inspiração para muitos outros.

Reviraram a vida de Brizola depois de 1964 e não encontraram nada, mas como a raiva era muita o perseguiram pelo pedaço de terra da família, vendida no Brasil e recuperada numa porção equivalente no Uruguai. Tivemos Caxias, que impediu a retaliação do território nacional, ou Floriano Peixoto, que receberia os ingleses, que quisessem invadir o Rio, "à bala". E tivemos tantos outros, como Franco Montoro e Mario Covas, modelos paulistas, Miguel Arraes, sertanejo exilado e reto, Getúlio, que ao vencer as eleições presidenciais em 1950 pediu dinheiro emprestado para comprar um terno para a posse.

Mas o que vemos, principalmente para quem já completou seis décadas de vida como os da minha geração, é gente enriquecendo sob os auspícios da Pátria. Vendem a nação e entregam. Reencontrei professorzinhos universitários que pipocavam o cano de escapamentos de suas velhas Variants vestindo depois ternos vultuosos e com a boca distorcida por uma espécie explícita de gozo e prazer, sendo recebidos com pompa, investidos em cargos onde manobravam milhões. Vi mentiroso(a)s pago(a)s por comunidades profissionais de perseguidos inventarem monumentais e ferrenhas calúnias sobre nossos estadistas probos, enquanto é visível a diferença entre a pobreza das suas instalações na universidade e as mansões que compraram com o dinheiro público.

Vi coadjuvantes da História sendo guindados a protagonistas. Escritores sem muito brilho virarem estrelas, enquanto gênios afundavam na obscuridade. Notei como se faz: basta se enturmar em algum grupo que disputa o poder, ou servir de insumo para suas ações (mesmo, às vezes, à revelia, como acontece com os que morreram) e pronto. É só esperar algum tempo e o prêmio vem. Colocações, cargos, verbas, sem esquecer jamais o patrimônio, a vida pregressa humilde, e o cacife, a agremiação que esquenta as costas. As operações são casadas: você finge independência, mas está garantido na hora de alardearam suas obras ou feitos. Trouxas somos nós, os amadores da política, que defendemos a liberdade enquanto perdemos cada vez mais a liquidez para a sobrevivência.

Para "vencer", é preciso se entregar não para uma causa, mas para a formatação planejada, política e bem cacifada de uma causa. Não importa qual lugar você ocupa nos sitios ideológicos: o importante é estar preparado para o butim, a roda da fortuna. É lá que a coruja pia, o gato mia, a girafa voa e o gogó da ema vibra. Sob o escudo da ética, use a Pátria à vontade, que ela sabe ser generosa quando você se alista na linhagem certa. E fique firme quando for pego em flagrante, pois sempre tem um jeito de escapar. Você fica um tempo de molho, o Supremo dá um jeito e você volta com o mesmo sorriso apertado, os olhinhos de cobra e o discurso na ponta da língua.

Neste Sete de Setembro, Dia da Pátria, vamos lembrar os estadistas que se foram. Como sou livre pensador, e isso jamais deverá, no meu entender, virar uma nova máfia, fiz um dia um poema quando o Mario Covas morreu. Ficou assim:

À FORÇA

Nei Duclós


Foi-se
como um sol
posto
como a flor
num poço
com o som
de um soco

com pesado
ombro
no mais longo
sopro

Foi-se
na bandeira
envolto
com a erguida
fronte
pelas mãos
do povo

Foi-se à força
Foi-se o homem

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