4 de janeiro de 2010

A DIFÍCIL POESIA


Nei Duclós

Todos os poetas que tentam construir uma obra tão retilínea e previsível quanto uma casa correm o risco de, no final, se transformar em meros construtores, empilhando palavras como se fossem tijolos. E, assim, soterram a criação com fórmulas, em vez de desenvolvê-la com talento, obcecados, talvez, pelas exigências intelectuais das vanguardas dos anos 50/60 e pelo rigor de João Cabral de Melo Neto (sem seguir, entretanto, o exemplo de sua poesia ao mesmo tempo exata e tropical).

É o caso do gaúcho Armindo Trevisan, de 44 anos. A secura do seu último livro, "Em Pele e Osso", é uma herança da anemia que por muito tempo tomou conta, primeiro, dos cadernos culturais, e, mais tarde, do próprio clima poético do país. Depois de sua procissão de obras contidas e frias, que começou em 1967 com "A Surpresa de Ser". Trevisan insiste numa poesia onde é flagrante esse tipo equivocado de "saneamento básico" que o espírito tropical sofreu nos últimos tempos, fruto de uma exagerada preocupação pelos excessos formalistas do passado.

Arsenal afônico - O problema é que, de tanto destituir de carne o corpo da poesia, Trevisan — e dezenas de outros poetas, como ele "consagrados — recai no mesmo erro do parnasianismo, pelo excesso de zelo. O que fica óbvio com exemplos como este, primeira parte de seu poema "A Datilografa": "Sou datilografa / da Companhia Telefônica Nacional/ Sou fulô/ Meus pés/ tem paina/ Minhas mãos/ frescura de mato/ batendo nas teclas/ fazem/ bão-bão- bão". Para reforçar esse estado de franqueza, o crítico Antônio Ramos Rosa escreve na contracapa do livro: "Uma poesia do silêncio, isto é, uma poesia que consagra o silêncio, que caminha em silêncio e que em silêncio e sobre o silêncio se constrói".

No lado oposto deste arsenal afônico situa-se o paulistano Roberto Bicelli, 34 anos, que. infelizmente, cai na cacofonia pueril e inútil em seu livro "Antes que Eu Me Esqueça", um painel mais de sua incapacidade de criar (ou descobrir) um universo poético do que das amplas dimensões que a poesia pode alcançar com o desequilíbrio formal. Pois dizer coisas como "pló pló pló pló pló pló pló pló pló pló fazia a marrequinha no sunrise da folhinha" ou "as abóboras abobadas viram-se penduradas nas abóbodas das abobadas" só pode atestar a mesma anemia diagnosticada cm Trevisan, apesar das preocupações opostas.

O fundo do poço - No meio de tanta confusão e pieguice, a poeta carioca Olga Savary encontrou uma solução para redimir o leitor da avalanche de papel que só faz a poesia perder mais terreno e se solidificar na sua posição de "gênero menor". Em "Sumidouro", seu segundo livro (em 1971 saiu o excenlente "Espelho Provisório", e na gaveta estão os inéditos "Altaonda", "Linha d'Água" e "Repertório Selvagem"), Savary consegue captar um momento poético aparentemente em repouso, ou, como ela mesma diz, "esse tigre no salto coagulado". Nesse instantâneo entre o mineral (contração e tranqüilidade) e o animal (o gesto), procura chegar ao fundo do poço, ao lugar inviolável da lucidez que tenta escutar o princípio básico das coisas.

Entre "dói o viver por já vivido", do poema "Sextilha Camoniana", e "Cresço a favor da manhã", de "Pitúna-Ara", "Sumidouro" nos revela o caminhar sereno de uma autora que não se apressa nem quer ser destruidora de mitos ou criadora de "novas" linguagens. Concentra-se na sua própria voz e procura descobrir as espirais que ligam seu ser a uma ordem maior, desencadeando, assim, a fonte geradora da poesia, que está muito longe da tristeza burocrática ou o anarquismo fútil de alguns aspinrantes à glória.

EM PELE E OSSO, de Armindo Trevisan; Movimento; 110 páginas; 25 cruzeiros.
ANTES QUE EU ME ESQUEÇA, de Roberto Bicelli; Feira de Poesia; 119 páginas; 40 cruzeiros.
SUMIDOURO, de Olga Savary; Massao Ohno/ João Farkas; 60 páginas; 60 cruzeiros.

RETORNO - 1. Resenha publicada na revista Veja n° 493, de 15/02/1978. 2. Imagem desta edição: Olga Savary.

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