19 de fevereiro de 2010

ARMADILHAS DO SABER


Há várias etapas do saber. Primeiro, acumular. Depois, ou ao mesmo tempo, articular. E finalmente dar rumo ao organismo que você encontrou ou forjou no caminho do saber. Não basta empilhar informações ou sabedorias. Nem encontrar nelas um mecanismo ou um relacionamento (ou mesmo não ver sentido nenhum, o que vem a ser também, pelo contraponto, uma forma de relacionar). E nem fazer a criatura celebrar nulidades.

O falso conhecimento é desmascarado em qualquer uma das três etapas. Quando você acumula só para despejar em cima dos outros, afugenta os interlocutores. Quando você encontra um rumo no que sabe que contraria a lógica mais elementar é pego em flagrante. E se você usa suas sacadas para roubar o próximo nem é preciso dizer: você é um pilantra, não um sábio, por mais entendimento que acha que tem. Ou por mais politicamente correto que goste de parecer.

Veja bem que nem falei em ética, mas deveria. A palavra gasta enfraquece a argumentação. Vamos falar em vergonha na cara. Ou em respeito. Ou em insubordinação legítima. Se você viu todos os filmes, leu todos os livros sobre cinema e acha o Tarantino o máximo então você já entregou a rapadura. Não se pode acumular, articular e dar rumo a tudo o que foi dito e pensado sobre a Sétima Arte para incensar uma nulidade perversa que foi inventada depois do sucateamento do cinema de autor.

Pois foi isso o que aconteceu. Não temos mais grandes cineastas, com exceção de alguns exemplares avulsos que não representam a cinematografia de hoje, já que pertencem a outra época, mesmo que ainda estejam na vanguarda, como Godard. Ou que estejam na ativa, como André Wadja e Clint Eastwood. O que prevalece são os de segundo time, comparados aos gênios. Não temos nada que chegue aos pés de John Ford, David Lean, Luchino Visconti, Federico Fellini, Stanley Kubrick, Akira Kurosawa. Temos bons, como Woody Allen, Roman Polanski, Irmãos Cohen, Wong Kar-Wai, Gus Van Sant, que estariam na faixa dos bons de antigamente, de Dino Risi a Arthur Penn.

Por que não temos mais gênios no cinema? Porque as chances de produção libertária a cargo dos Maestros acabaram. Depois do macartismo dos anos 50, o cinema começou a entrar em decadência até chegar ao auge da repressão e do direitismo com toda a produção da Era Bush, integralmente voltada para a segurança imperial e para a celebração de heróis da CIA, FBI etc. Mas o que colocar no vácuo deixado pelos autores que sumiram? Foi fácil. Guindaram, com o apoio da mídia comprada e da soberba imberbe (a que acha que sabe tudo sem ter parâmetros) criminosos frios como Martin Scorsese e Quentin Tarantiuno ao status de grandes realizadores. São comerciantes de última categoria. Acumularam informações sobre a História do Cinema, as articulam para celebrar a violência sem sentido, a que serve para assustar e a provocar gozo masturbatório.

Então, não há como tratar a pão-de-ló quem vem com conversa de isenção e democracia para impor a idéia absurda de que o imbecil do Tarantino tem algum valor, só porque “cita” (na verdade, chupa e chupa mal) cineastas importantes. Tarantino um dia falou que a violência existe para ele poder filmá-la. Fico imaginando, sem desejar mal a ninguém, o dia em que ele for confrontado com a situação em que adora reproduzir nas suas arengas cinematográficas. Vai fatalmente se borrar, pois seu cinema é pura covardia.

Tratar a guerra como uma brincadeira é típico de quem não participou dela. De quem vive no bem bom enquanto o mundo descamba. De quem tem todas as garantias da impunidade para reproduzir ao infinito suas taras pessoais sem a grandeza psicológica de um Hitchcock, o criador das mais poderosas imagens do nosso tempo, segundo Godard. Querer comparar o diretor de Psicose com o imbecil de Bastardos Inglórios diz tudo sobre os que chegam para consolidar o sucateamento teórico do cinema.

RETORNO - Imagem desta edição: Alan Arkin em Catch 22, de 1970, de Mike Nichols, um filme importante sobre a insanidade e a guerra. Um parâmetro para colocar nos eixos quem investe admiração em aproveitadores.

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