28 de junho de 2010

FUTEBOL É LINGUAGEM: A FALA DE DUNGA



Depois de ser execrado, xingado, desacreditado, desprezado por três anos e meio como técnico da seleção brasileira, Dunga sentou-se para dar entrevista coletiva na noite desta segunda-feira, dia 28. Respostas curtas, precisas, objetivas e esclarecedoras formam um texto sobre sua atuação à frente da camisa com cinco estrelas, por enquanto. A fala aconteceu depois dos três a zero contra os chilenos pelas oitavas de final da Copa da África do Sul. Fomos assim classificados para as quartas. Jogaremos contra a Holanda na sexta-feira. Como disse Sócrates, o profeta, ex-Corinthians e que nunca foi campeão do mundo, a não ser como torcedor, “O Brasil poderá ficar fora já na primeira fase”. Depois dizemos que torcem contra e negam.

Contra os delírios apocalípticos, os sofismas, as falsas evidências, as percepções equivocadas, os saudosismos, Dunga mostra-se dialético e brilhante. A estratégia é definida em cada jogo, baseada no trabalho feito na sua gestão. Como o Chile é uma equipe veloz, ele escalou Daniel Alves e Ramires, que tinham pique para acompanhar os adversários.

Contra a Holanda ele vai pensar, já que não adiantaria planejar nada para um jogo que não aconteceria se fôssemos derrotados. Ele definiu a Holanda como um time forte, com bons jogadores, que não limitam apenas a marcar e ir para o contra ataque, mas que contam com um acervo com mais diversidade, com características até de futebol latinoamericano. Essa percepção do adversário é que é decisiva para a escalação e a tática a ser adotada.

No treino do dia anterior, ele colocou alguns jogadores lesionados em campo, como Elano, para ver como se saíam. Como notou que os movimentos ainda estavam presos, decidiu não incluí-los no jogo de hoje. É por isso que ele conta com a confiança em todo o grupo, e não apenas em alguns, para essas eventualidades. Destacou a postura de Daniel Alves reproduzindo um diálogo que teve com o jogador dias atrás. Perguntou e não ficava chateado em ser colocado em outras posições que não a que está acostumado a jogar. “Não me pondo no gol, pode contar comigo em qualquer lugar do campo”, disse Daniel. É isso que vale para Dunga, esse engajamento e disposição.

Dunga estranhou que jogadores técnicos estejam todos pendurados por cartão amarelo, enquanto os que batem estão isentos dessa punição. Lembrou a barra pesada contra a Costa do Marfim, quando, para mim, Elano no mínimo luxou a perna. Aquilo ou é fratura ou véspera de osso quebrado. Saiu mancando, arrastado e não voltou mais ao campo, ele que estava fazendo uma Copa brilhante, com dois gols e uma alegria de jogar que contraria tudo o que disseram dele. E disseram horrores, como falaram mal de todo mundo, inclusive de Luis Fabiano que não marcava gol

Tenho assistido a Copa pela Bandeirantes com o Lucianao do Vale. O pedágio é o Neto, esganiçado, sem a mínima noção do ramo que abraçou tardiamente e que só foi aceito por ter sido jogador de futebol, o que é um equívoco. Precisamos de jornalistas ali, não por uma questão de reserva de mercado, mas por ser uma especialidade difícil, complicada. Luciano do Vale é um cavalheiro e trata bem o tosco Neto, mas está claro que está a mil anos luz em termos de qualidade em relação ao seu parceiro de transmissões.

Porque uma cobertura jornalística de futebol não é futebol, nem deve estar a cargo de ex-árbitros ou ex-jogadores. Cobertura de futebol é jornalismo e a especialidade dos profissionais envolvidos nela é o jornalismo. Luciano pertence a uma linhagem clássica que veio do rádio, narra cada lance, nomeia cada jogador envolvido nele e não fica dizendo bobagem sobre a copa de 70 ou 90. Dunga, na sua fala chamou a atenção para a necessidade de se olhar o presente. Existe a tradição mas ela de nada vale, pois os jogadores são outros, o momento é outro.

A Holanda não é a Holanda, é um time diferente, assim como a atual Alemanha é um time diverso das de outras copas. É preciso trabalhar dialeticamente a realidade e não confundir a percepção, que seleciona os melhore lances do passado para cobrar beleza do futebol no presente. Toda Copa tem lances duros, feios, mas selecionamos o que há de melhor e mais bonito para achar que aquilo sim era futebol. Pois acho o futebol da seleção canarinho capitaneada por Dunga um primor de time focado, atento, talentoso, aguerrido, vencedor.

Com seus pés para dentro, cabelo espigado, anão, tarraco, turrão, mau humorado, Dunga não nasceu para ser amado, mas respeitado. Capitão!

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Toshiro Mifune em Yojimbo, de Akira Kurosawa. 2. Esqueci de comentar outro item importante da entrevista de Dunga: sobre a necessidade de o atleta descansar depois do jogo e não ficar de pé dando enrevista. Colocar os pés para cima, se alimentar e dormir direito. Um toque para quem tentou atrapalhar a seleção com exigências imperiais e exclusividades perniciosas. Lembram da época em que a seleção saía do cmapo direto para os estúdios da Poderosa? Pois agora mudou. Tem que sentar bonitinho ao lado dos outros e não fazer gestos de feitor em direção ao Capitão, senão leva troco.

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