5 de outubro de 2010

MILITÂNCIA


Nei Duclós (*)

Insurgir-se é humano. Não faz parte da natureza, mas da nossa essência como seres culturais. Um bicho reage e vai à luta por necessidade biológica, enquanto a militância é pura representação de algo maior, a vontade de mudar o mundo. Quando se consolidou a idéia de que bastaria transformar a percepção para a realidade virar outra coisa, a chamada luta política perdeu seu impacto inicial. Foi quando saíamos da passeata para a auto-ajuda.

O que contribuiu para o desencanto foi que deu certo. Quem estava na rua agitando acabou no trono de sistemas variados, da opressão à democracia. O idealismo perdeu sua forma consagrada e hoje se espalha em inúmeras contradições, enfrentando o pragmatismo velho de guerra, a indiferença ou a tirania. Faz parte do espírito de porco humano desmerecer as grandes batalhas ideológicas oferecendo uma anti-ideologia, a de que não vale a pena e tudo está pronto “desde que o mundo é mundo”.

Resta ao militante a solidão numa encruzilhada de milhares de opções. Há os que se atiram na ecologia, mas esta também faz água diante da inutilidade da luta, já que continuam desmatando adoidado enquanto não param de falar em desenvolvimento sustentável. Os resistentes insistem na catequização, como se os predadores de nações prestassem atenção na arenga, a não ser quando algum documento obrigatório se atravesse no caminho.

Por coincidência, grandes parques nacionais de preservação costumam pegar fogo a toda hora. É a tática do tombamento pelo avesso. Se determinado prédio está ameaçado por um salvador decreto de preservação, a resposta é a demolição na madrugada. Se existe algum pedaço do território que deve permanecer intocado, então é melhor queimá-lo. Essa situação nos leva a outro problema: o ceticismo. Já que tudo está condenado, para que se preocupar? Caímos então no bocejo, que é a barreira inicial de toda militância.

Se formos abordar a política, vemos carregadores profissionais de bandeiras ou claques aparelhadas. Tudo ficou sob suspeita, limitando as ações coletivas à pulverização das certezas, o voluntarismo filosófico, a atuação doméstica. É o que acontece atualmente, quando agitamos nas mídias sociais o que deveríamos estar fazendo em praça pública. A rede virtual é do povo como o céu é do condor, como diria Castro Alves se tivesse blog.

RETORNO - (*) Crônica publicada nesta terça-feia, dia 5 de outubo de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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