29 de novembro de 2010

CINZA É O NOME DA CIDADE


Revisito poemas sobre as cidades , no meu livro No Meio da Rua, de 1979. São poemas atuais, pois estava claro há tempos o que fizeram com o país nestes anos infindos de ditadura. Tão atuais, que as cidades que ostentavam chagas, que por sua vez geravam poemas duros, hoje são invadidas por ações militares que procuram “purgar” os pecados civis. Velhas realidades, velhos equívocos. Só a poesia se mantém intacta.

CINZA É O NOME DA CIDADE


Nei Duclós

Cinza é o nome da cidade
apesar do claro
que me abriu na alma

Pedra é a cor da cidade
onde aprendi
a ser leve

Dor é a vida na cidade
porque chegar ao sol
é atravessar espadas

Frio é o corpo da cidade
mas ele guarda
um abraço

Morte é a lei da cidade
que me fez marginal
e renovado


ROTINA


Atravesso a rua dos assassinatos
sem olhar para o lado
preciso alcançar o ônibus, rápido
e escapar das perguntas
que me faço

Em direção ao meu quarto
olho, indiferente, a cidade
e vejo, desesperado
o desfile de assaltos

No banco da solidão
penso nos crimes
que voltarão amanhã
e estico, com tensão
meu corpo cansado

Como fica difícil escrever
com poucas palavras

Como fica difícil viver
sem responder nada

Como fica difícil calar
enquanto passo


CIDADE EM TRÂNSITO


Não pense que você está morto
só porque ficou no porto
vendo o povo desmoronando

Ninguém é maior por ter cruzado o mundo
Em todo lugar existe um muro

Não se arrependa
No fim das contas
Estamos juntos

E o monstro não mudou de rumo
Ele está pronto
Está crescendo

Esta cidade é outra
Para qualquer um
Esta cidade em trânsito


CIDADE NOVA


Sumiu a porta da rua,
a rua,
e os cachorros iam nela
e a chuva
que buscava a terra

Sumiu a esquina, a zona
As cidades uma a uma
E as pessoas que iam nelas:
Perfumes

Restou a mala
nas inúmeras viagens
através de ti

De presente: o tempo
costurando a bruma
e o teu rosto, irreconhecível


RETORNO – 1. Poemas do livro No Meio da Rua (L&PM, 1979). 2. Imagem desta edição: cena de Metropolis, de Fritz Lang.

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