14 de dezembro de 2010

AÇÃO MILITAR “PURGA” PECADOS CIVIS


Nei Duclós

Lembro bem de 1964. O Bem, representado por carolas, reacionários e anti-trabalhistas tomou conta das ruas pedindo intervenção contra o estado de Direito, que estaria preparando um golpe sindicalista, ou seja, encarnava o Mal. O resultado todos sabemos: os anos de chumbo, uma ditadura interminável que acabou gerando um democracia de araque, essa em que vivemos hoje. Violência e miséria crescentes, sucateamento da infra-estrutura, expulsão da população do interior e amontoamento nas grandes cidades. Uma endemia tão antiga que parece de nascença, como diria Drummond sobre a viuvez em Boitempo.

Agora voltamos à vaca fria. A ação militar nos bairros pobre do Rio de Janeiro, essa Bagdá que vive ao lado do Canadá da Zona Sul, foi saudada como uma maneira de purgar os pecados civis, ou seja, o tráfico de drogas, a violência, a corrupção. Celebrado no início pelo consenso de uma mídia irresponsável, que só viu grandeza na operação, sabemos agora o que houve: invasão indiscriminada, saques de domicílios e matança pesada. Os mortos, claro, eram todos culpados. Inocente é o Estado, que deixou medrar um exército de facínoras nas suas fuças e agora tenta tocá-los como ratos de esgoto, sem intervir na essência do problema, que é o abandono da população à própria sorte.

Vendo assim do alto, o Rio de Janeiro mais parece um favelão. Só tem favela por todo o lado. O que permanece de cidade é o que existia na época do Brasil soberano (1930-1964). Sem políticas públicas de urbanização, saneamento e moradia, o povo é jogado na vala comum da barbárie, ficando na mão dos bandidos de todas as espécies. Primeiro eram os traficantes, depois as milícias e depois dessa operação o que será? A justificativa é que o crime estava tocando fogo na cidade e precisava de uma ação fulminante. O crime tocou fogo porque queria negociar, como sempre fez, com os podres poderes. Pois tem o país na mão, basta querer, como fez o PCC em 2006 em São Paulo, quando a cidade ficou refém dos bandidos.

“O Rio precisa de política de segurança e não de uma ação bélica” disse Paulo Sergio Pinheiro, um sociólogo a serviço da ONU. Sábias palavras. O quem seria uma política de segurança? Primeiro, não colocar blindado em bairro pobre, só na fronteira, por onde entra arma e droga. Segundo, não deixar que os invasores façam o quem quiserem com os moradores. Terceiro, manter-se permanente em todos os bairros e não apenas em alguns deles, como acontece com as UPPs. Quarto, urbanização, saneamento, medicina, educação, policiamento incorruptível.

Por que um cronista se interessa por esses assuntos e ainda resolve dar pitacos sobre as soluções? Porque é óbvio demais. Não precisa ser estadista para fazer a coisa certa. Mas parece que os governantes optaram pelo que há de mais desastrado, mais nocivo, mais perigoso, mais espetacular. Trabalhar todos os dias sem posar bêbado para as câmaras no carnaval, como acontece todo ano entre os grandalhões cariocas seria um bom começo. Mas não temos estadistas, temos gentinha no poder.

RETORNO – 1. Crônica publicada na edição 321 do jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: tirei daqui. 3. No twitter: RT @BrazilTour Corrigindo: valores teleférico é uma obra de R$ 493 milhões executada pelas empreiteiras Odebrecht, OAS e Delta.

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