26 de fevereiro de 2011

CISNE NEGRO: O EGO E SUA SOMBRA


É cult apostar no Mal. Dá prestígio. Como se o Bem fosse hegemônico. No filme Cisne Negro (2010), de Darren Aronofsky, uma bailarina virgem, que vive com a mãe e dorme com seus ursinhos de pelúcia apesar de ter 28 anos, é a representação do Bem babaca, bem ao gosto da indústria da transgressão, que vive de expedientes cretinos como vampiros e Cia. Ela é empurrada para o Mal para se salvar de suas limitações profissionais e pessoais. Só assumindo seu lado escuro poderá interpretar as gêmeas de O Lago dos Cisnes, uma angelical e outra sinistra. O empurrão dado é para romper seu ego e privilegiar a sombra, o que pode ser fatal.

Natalie Portman, excelente atriz que neste filme “atua” demais, não é bailarina profissional. Aprendeu o métier em poucos meses e as limitações aparecem. É travada demais, não se solta, exatamente porque não é do ramo, apesar de ser uma profissional competente que até convence em alguns momentos. Mas o filme coloca esse defeito como parte do personagem, que não se solta por ser boazinha. O diretor, que escreveu o roteiro, fica assim lampeiro de que enganou todo mundo e ainda comete um crime: transforma Winona Ryder, outra atriz de primeira, numa bruxa velha asquerosa, como se fosse possível. Fica fake, assim como os passos ensaiados de Natalie.

A história anda em círculos, se repetindo a cada cena, porque a idéia é pobre e obedece a mais um truque do diretor, o de alimentar a falsa cultura das massas, que para ele bate no teto com a música do Lago dos Cisnes e está pronta para se emocionar com o drama da bailarina que enfrenta a concorrência na grande estréia do balé. O algoz, o diretor do espetáculo, interpretado por Vincent Cassel, é obvio demais: faz pose de artista brilhante e tirano, assediador de suas atrizes. Os papéis estão todos engessados. A mãe de Natalie, interpretada por Barbara Hershey, é o protótipo da castradora que joga na cara da filha o fato de ter abandonado a carreira por ela.

Com esse feixe de lugares comuns, como querer fazer um grande filme? O diretor conta com a atriz principal, veteraníssima que irrompeu nas telas com Léon (O Profissional), aos 13 anos de idade. Mas se comporta como o diretor do balé que criou, empurrando sua atriz para o suicídio. Talvez Darren tenha se espelhado em Bob Fosse em All That Jazz, mas Fosse é incomparável, sobra em todos os sentidos. Cassel faz uma reles caricatura, obedecendo à dramaturgia rasa do script.

Não que o filme não mereça ser visto. Tem momentos, mas acompanhar a chorona em direção à degringolagem pessoal confundida como libertação é de doer. Poderíamos ser poupados dessa certeza de que não passamos de um bando de idiotas que esperam ver nos filmes apenas aquilo que alcançamos em nossas pobres percepções culturais. Se os diretores soubessem como são ridículos em menosprezar o público, não fariam coisas assim. Apostariam mais alto, pediriam socorro aos clássicos e não tentariam nos enganar com truques baratos. Eles tem tanto dinheiro à disposição, talento a rodo nos elencos, por que fazer um dramalhão de uma mulher se arranhando as costas e fugindo do seu destino inevitável de ser má, muito má?

Dá licença. Isso não se faz. O grande ego dos autores de cinema poderia deixar a sua sombra em paz. Busquem a perfeição, mas não o que a indústria do espetáculo acha que é a perfeição. É outra coisa, misteriosa, que só os grandes talentos, reunidos numa produção, poderão revelar.


RETORNO - 1.Imagem desta edição: Natalie Portman, um cisne branco em noite sem lua. 2. Audrey Hepburn, maravilhosa atriz, é o parâmetro que deve ser sempre revisitado. Aqui, em Funny Face (1957), de Stanley Donen, onde contracena com Fred Astaire ao som de Gershwin (sai da frente!).

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